Uma pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que houve um aumento de alimentos ultraprocessados no Brasil durante a pandemia de Covid-19. Os dados foram coletados pelo Instituto Datafolha, numa parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, nos anos de 2019, 2020 e 2021, com amostras representativas da população adulta. O estudo foi publicado neste mês de setembro na Revista de Saúde Pública da USP.
Segundo o levantamento, nos primeiros anos, houve aumento significativo no consumo de cereais, leite, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados e molhos industrializados, em contraponto à diminuição do consumo de ovos. Na comparação entre 2019 e 2021 e entre 2020 e 2021, houve ainda a diminuição significativa no consumo de cereais, hortaliças, frutas e sucos de fruta industrializados e alta no consumo de refrigerante, biscoito doce, recheado ou bolinho de pacote, embutidos, molhos e refeições prontas.
Na avaliação da nutróloga Dra. Hilloa Rodrigues, logo no início da pandemia, houve uma busca pela alimentação de mais frutas, hortaliças, “ao mesmo tempo em que houve um aumento de consumo de algumas categorias de alimentos ultraprocessados”, explica. Segundo ela, esse foi um movimento similar em todo o mundo.
Ainda conforme o estudo, apesar da elevação do consumo de ultraprocessados já ser um fenômeno conhecido no Brasil, ele foi acelerado em função da pandemia. Como exemplo disso, durante o levantamento, foi perguntado quais alimentos foram consumidos no dia anterior à pesquisa. Os dados mostram, por exemplo, que o consumo de refrigerante foi citado por 33,2% em 2019, por 32,7% no ano seguinte e chegou a 42,4% em 2021.
Entre os itens mais mencionados pelos entrevistados, está a margarina, maionese, ketchup e outros molhos industrializados. Em 2019, metade dos participantes disse ter consumido um desses itens no dia anterior ao levantamento. Em 2021, foram 58,6%.
Já em relação à percepção do consumo, o estudo mostrou que 46% dos entrevistados, ao serem questionados sobre as principais mudanças na compra e preparo das refeições durante a pandemia, relataram consumir mais alimentos preparados em casa durante o período. Já sobre as mudanças nos hábitos alimentares, 48,6% dos entrevistados disseram ter alteraram os hábitos na alimentação durante a Covid-19. De acordo com os entrevistados, os principais motivos para isso foram: maior preocupação com a saúde (39,1%) e autorrelato de diminuição da renda familiar (30,2%).
O estudo também indicou que a maioria das pessoas relataram a diminuição da renda familiar como principal causa da mudança alimentar durante a pandemia. Dessa forma, os entrevistado revelaram a redução no consumo de alimentos in natura e minimamente processados, como carne bovina e suína, peixe, frutas e leite, ao mesmo tempo em houve o aumento no consumo de todos alimentos ultraprocessados. “Esse resultado sugere dificuldade de acesso a alimentos por uma parcela importante da população”, diz trecho do estudo.
Consequências
Para a especialista, o cenário apontado pelo estudo “é muito grave”, e mostra que parte da população teve o acesso aos alimentos ultraprocessados como forma de não ficarem com fome. “Pior do que as pessoas não comerem o alimento ultraprocessado é elas não comerem nada. Mas o problema é que não dá para elas comerem só os ultraprocessados, porque a gente vai passar a observar o aumento de doenças crônicas, como obesidade, diabetes, hipertensão e câncer. Por isso, os governos devem atuar no sentido de garantir uma alimentação adequada. Não é só garantir a comida, é garantir uma alimentação adequada”.
Ela teme que, como resultado dessa má alimentação, as pessoas tenham sua saúde afetada em poucos anos. “Daqui a uns quatro ou cinco anos, é algo que vai afetar a saúde da população. O estudo já mostrou que houve uma mudança, que não foi positiva, e infelizmente também vamos observar os reflexos disso”, alerta.
Por serem alimentos prontos para o consumo, os ultraprocessados podem ter sido priorizados durante a pandemia, como forma de garantir o distanciamento social. No entanto, a nutróloga lembra que apesar dessa característica, são alimentos hiper palatáveis e cheios de aditivos alimentares.
“Existem diversos estudos, no mundo inteiro, que mostram o quão prejudiciais são esses alimentos. Além disso, também se fala muito sobre o impacto ambiental do consumo desses alimentos. Por isso, o cenário ideal é priorizar alimentos minimamente processados, in natura. É comida de verdade: arroz, feijão, fruta, hortaliça, procurando sempre uma variedade muito grande”, indica.