Estudo da OMS aponta para descoberta de tumores em estágio avançado como “herança” da COVID-19;
Consultas de rotina e exames periódicos são essenciais para a descoberta de tumores malignos em estágio inicial,
chave para a cura em mais de 90% dos casos
Enquanto os olhos do mundo ainda seguem voltados para o combate ao Coronavírus, em 2021, o Outubro Rosa ganha ainda mais relevância no reforço da mensagem sobre a importância do diagnóstico do câncer em fase inicial, assim como a sua prevenção, que mesmo em tempos de Covid-19 devem ser lembrados como as melhores ‘armas’ de combate à doença. O alerta especial referente à incidência do câncer de mama, cuja ocorrência em mulheres corresponde a 99% de todos os casos registrados mundialmente, é justificado por dados do GLOBOCAN 2020, que alertam para a necessidade de um olhar de lupa para o assunto.
O estudo, divulgado em fevereiro de 2021 pela Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (IARC, da sigla em inglês) – entidade intergovernamental que faz parte da Organização Mundial da Saúde (OMS) – e pela Sociedade Norte-Americana de Câncer (ACS), mostra que cenário da oncologia está mudando, com aceleração em todo planeta nos índices de incidência de neoplasias malignas e trazendo o câncer de mama para o topo da lista entre os mais diagnosticados em todo o mundo, superando pela primeira vez neste ranking os tumores de pulmão.
Para o oncologista Max Mano, líder de tumores de mama do Grupo Oncoclínicas, este cenário é reflexo, em grande parte, de aspectos inerentes ao desenvolvimento sócio-econômico e cultural dos diferentes países. “O contínuo aumento global na incidência do câncer de mama se deve a um conjunto de fatores que incluem mudanças no estilo de vida – tais como a epidemia de obesidade, uso de hormônios, menarca precoce/menopausa tardia, menor (e mais tardia) paridade/amamentação, maior consumo de álcool, sedentarismo -, demográficas, relativas ao envelhecimento da população, e, possivelmente, uma maior capacidade dos países ricos de fazerem diagnósticos”, destaca.
Ele frisa que, apesar do câncer de mama ainda apresentar taxas menores de letalidade em comparação aos tumores de pulmão, os dados apresentados pela OMS acendem um sinal vermelho sobre a atenção às políticas públicas de incentivo à detecção da doença em países emergentes, caso do Brasil. Por aqui, o câncer de mama é responsável por cerca de 30% de todos os casos de neoplasias entre o gênero feminino.
“Apesar da incidência crescente, em geral, a mortalidade por muitos tipos de câncer, especialmente o de mama, vem diminuindo nos últimos anos. A má notícia é que isso só tem ocorrido, ao menos de maneira consistente, nos chamados países desenvolvidos. Por causa da ocorrência de diagnósticos em estágio mais avançado e do menor acesso a tratamentos, a letalidade por câncer é maior em países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos, um fato cruel que foi acertadamente captado pelo estudo GLOBOCAN 2020”, aponta Max Mano.
Isso exigirá esforços contínuos no sentido de aumentar a taxa de cobertura da mamografia de rastreamento populacional, assim como o nível de alerta das mulheres para alterações na mama, requerendo atenção dos especialistas para que o câncer de mama seja diagnosticado o mais cedo possível.
“O baixo investimento em medidas de prevenção e diagnóstico e da menor oferta de tratamentos oportunos e eficazes pode condenar os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento a anos de atraso nas políticas de combate ao câncer em relação aos seus pares mais afortunados”, diz o oncologista da Oncoclínicas.
No Brasil, o câncer de mama responde por cerca de 67 mil novos diagnósticos de câncer todos os anos, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA). De forma geral, a mamografia é o principal exame preventivo para identificação de tumores de mama. Ela deve ser realizada anualmente por todas as mulheres acima dos 40 anos e a decisão por adiar ou não esse exame só deve ser tomada mediante o aconselhamento médico.
As chances de cura chegam a 95% ou mais quando o tumor é descoberto no início, sendo o tratamento menos invasivo, o que melhora, em muito, a qualidade de vida durante e após o tratamento da doença.
Covid-19 trará consequências na luta contra o Câncer
A descoberta tardia pelo atraso na realização de exames de rastreamento e a falta de acesso a tratamentos, especialmente em países em desenvolvimento, estão entre os aspectos ressaltados pela OMS como efeitos que afetam diretamente os cuidados oncológicos. A organização informou que nas duas últimas décadas o número total de pessoas com câncer quase dobrou, saltando de 10 milhões estimados em 2000 para 19.3 milhões em 2020.
As projeções indicam ainda que nos próximos anos há uma tendência de elevação dos índices de detecção do câncer, chegando ao patamar de quase 50% a mais em 2040 em comparação ao panorama atual, quando o mundo deve então registrar algo em torno de 28.4 milhões de casos de câncer. Isso significa que a cada 5 pessoas, uma terá câncer em alguma fase da vida. Nos países mais pobres, a incidência da doença deve ter um crescimento superior a 80%.
O número de mortes por câncer, por sua vez, subiu de 6,2 milhões em 2000 para 10 milhões em 2020 – uma equação que aponta que a cada seis mortes no mundo uma acontece em decorrência do câncer. E a tendência é que haja aumento nesse triste ranking, já que a OMS também indica que a pandemia trará como consequência mais casos de pacientes com câncer em estágio avançado por conta dos atrasos na descoberta e tratamentos de tumores malignos.
Em 2020, primeiro ano dos protocolos contra o Novo Coronavírus, o Brasil, por sua vez, teve uma grande queda na busca pelo diagnóstico. A mamografia de rastreamento, exame indicado como parte da rotina de cuidados para mulheres a partir de 40 anos, apresentou queda de 84% em comparação ao mesmo período do ano anterior. A estimativa foi feita pela Fundação do Câncer, com base em dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Outros exames fundamentais para a saúde da mulher, como o citopatológico cérvico vaginal (papanicolau), tanto para diagnóstico, como para rastreamento de câncer do colo do útero, também apresentaram queda: a redução foi de mais de 50%.
Complementarmente, um outro dado, da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) – que representa empresas do segmento de saúde suplementar – aponta uma queda na quantidade de mamografias realizadas na rede privada do país de 46,4% quando comparado o período de março a agosto de 2020 com os mesmos meses de 2019.
“Os reflexos do adiamento nos acompanhamentos médicos de rotina por medo de exposição ao novo coronavírus podem a curto e médio prazos, de fato, desencadear um aumento global nos índices de tumores descobertos em fase mais avançada. Isso vai impactar na sobrevida dos pacientes oncológicos, como uma das heranças perversas da pandemia para a saúde como um todo”, afirma Max Mano.
As biópsias também tiveram uma redução de 39,11% no Brasil, segundo o INCA, quando comparados os meses de março a dezembro de 2019 e 2020. Em 2019 foram realizados 737.804 desses procedimentos e, em 2020, um total de 449.275. As maiores quedas ocorreram nos meses de abril (-63,3%) e maio (-62,6%), período de pico da primeira onda de Covid no País e, de acordo com especialistas, a diminuição das biópsias para diagnóstico de câncer repercutem de maneira grave na mortalidade dos pacientes com câncer, já que muitas pessoas não estão sendo diagnosticadas, nem tratadas durante a pandemia, o que permite que o tumor se desenvolva.
O oncologista do Grupo Oncoclínicas, Max Mano, reforça que “o câncer não espera”. A condição faz parte do rol de doenças estabelecido pelo Ministério da Saúde, cujo tratamento não pode ser considerado eletivo. Atualmente, ainda de acordo com os dados do GLOBOCAN, mais de 1,5 milhão de brasileiros têm tumores malignos, sendo que em 2020 foram diagnosticados 592.212 novos casos e registrados 259.949 óbitos em decorrência de neoplasias malignas. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA) indicam que são esperados ao menos outros 625 mil diagnósticos de câncer até o final de 2021.