O Brasil é o segundo país no mundo em números de mortos pela covid-19. Desde o começo da pandemia, pesquisadores e médicos fazem levantamentos para traçar as particularidades das vítimas do SARS-CoV-2. A pandemia por aqui tem cara, sexo, raça, nível de escolaridade e classe social.
De acordo com Alexandre Biasi, diretor de Pesquisa e médico intensivista do HCor, o aumento das taxas de mortalidade não alterou o perfil dos doentes na primeira e na segunda ondas da pandemia. “É praticamente o mesmo de antes. Maioria de homens, na faixa dos 60 anos, com alguma comorbidade. Só aumentou a internação de pessoas entre de 40 e 50 anos, mas, na maioria dos casos, tem um fator de risco”, explica.
O coordenador do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Jaques Sztajnbok também verificou um aumento de pessoas mais jovens. “Ainda não temos uma pesquisa compilada e não alterou, por enquanto, os dados do Centro de Contingência. Mas, por exemplo, cheguei a ter um paciente de 26 anos e um de 38 anos em estado muito grave. Isso chama a atenção, porque não víamos, em nenhum momento, pacientes tão jovens, graves e juntos na UTI.”
De acordo com dados de 50 UTIs do Brasil, sendo 70% hospitais públicos e 30% privados, divulgados pelo projeto ‘Impacto MR’ do PROADI-SUS, na última quarta-feira (3) eram 3.034 pacientes internados com covid-19 e 341 suspeitos. A média de idade era de 64 anos, sendo 60,5% homens e 39,5% de mulheres.
Entre as comorbidades dos pacientes, cerca de 33,6% têm diabetes, 56,4% são hipertensos, 5,9% fumantes e 15,5% têm alguma doença cardiovascular. 44,8% dos indivíduos incluídos no estudo tinham precedência de casa sem home care antes da admissão na UTI; 21,4% foram transferidos de UPAs, 29,7% de outro hospital ou serviço de saúde, 2,4% hospital de retaguarda, 0,9% de casa de repouso e 0,8 casa com home care.
O PROADI-SUS – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde – é uma parceria entre o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, HCor, Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Moinhos de Vento, BP – a Beneficência portuguesa de São Paulo e Hospital Sírio-Libanês.
Para Jaques Sztajnbok, o perfil das pessoas que estão morrendo nessa fase da pandemia não mudará muito. “Pelo perfil demográfico traçado antes, a taxa de óbito é maior entre homens do que mulheres. E pelo perfil socioeconômico, os menos privilegiados têm uma taxa de mortalidade maior. Claro que essa pesquisa foi feita com os números do ano passado, mas não deve mudar muito no momento atual”, prevê o especialista.
A Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares divulgou, em fevereiro, um estudo feito pelas pesquisadoras Ligia Bahia e Jéssica Pronestino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Elas analisaram dados da PNAD Covid-19 (pesquisa feita pelo IBGE para mostrar os efeitos da pandemia na economia brasileira) e do banco de internações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e concluíram que há desigualdades relativas à testagem, letalidade e óbito de acordo com a renda, cor de pele, escolaridade da população e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios.
Entre os brasileiros que apresentaram sintomas da SRAG e fizeram o teste da covid-19, 9,9% tinham renda entre meio e um salário-mínimo; 14,9,9%, entre um e dois salários-mínimos e 29,3%, dos que ganhavam quatro ou mais salários-mínimos.
As pesquisadoras verificaram que a taxa de letalidade varia de acordo com o nível de escolaridade do doente. Entre os pacientes sem escolaridade, 71,3% morrem; para os que cursaram até o nível fundamental a taxa cai para 59,1% e para 47,6% entre os que cursaram até o fundamental 2. Nos níveis médio e superior, a letalidade despenca para 35% para quem tem nível médio e para 22,5% para os de nível superior.
A cor da pele também interfere na taxa de letalidade, que é de 56% nos pacientes brancos internados com Síndrome Respiratória comprovada e de 79% entre os não brancos.
Quando foram comparados o IDH dos municípios com o número de óbitos e de pacientes curados, também foi possível notar que as cidades menos desenvolvidas estão em desvantagem. Lugares com IDH baixo tiveram 38,3% de cura e 61,7% de óbitos e os com índices médios 35,7% de alta médica e 64,3% de mortes. Os dados de cidades com taxa altas de desenvolvimento são os mais equilibrados, com 48,5% de altas e 51,5% de óbitos. Já os municípios com IDH muito alto apresentam 67,1% de cura, contra 32,9% de mortes.
A principal complicação nos pacientes com covid-19 e que acabam por causar a morte dos doentes continua sendo problemas respiratórios. Mas Jaques Sztajnbok explica que uma série de fatores geram esses distúrbios pulmonares. “O final comum é uma insuficiência respiratória, mas as causas podem ser: inflamatórias; uma sobreinfeccção, ou seja, os pacientes graves têm mais chance de ter novas infecções e fica com uma infecção grave em cima de outra que já era grave; trombose de vasos de qualquer lugar”, afirma o supervisor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
O especialista do HCor conta que os problemas respiratórios acabam complicando outros órgãos. “No dia a dia é observado que as pessoas não conseguem oxigenar o sangue e temos de oferecer suportes de várias formas, até intubar. Muitos casos são resolvidos e muitos outros infelizmente, não. A parte pulmonar vai deteriorando e não tem como controlar, a pressão cai, pode ter insuficiência renal”, explica Alexandre Biasi.
As comorbidades também influenciam nos mortes por covid-19, porque o vírus agrava os problemas pré-existentes dos pacientes. “O SARS-CoV-2 ajuda na descompensação das doenças de base. Por exemplo, um paciente obeso mórbido, que já tem quadro de oclusão coronariana antes da covid, depois da infecção tem mais chances infartar”, explica Sztajnbok.