Uma pesquisa inédita mostra que mais da metade da população brasileira rejeita candidatos que apoiam as indústrias de agrotóxicos, tabaco, armas e álcool.
O levantamento encomendado pela organização não governamental ACT (antiga Aliança de Controle do Tabagismo), que atua na área de promoção da saúde, ouviu 2.086 pessoas com mais de 16 anos (ou seja, com idade para votar) e foi feito pelo Datafolha entre 13 a 16 de agosto, com amostra e distribuição regional representativa da população.
Entre os setores, a maior rejeição é ligada aos agrotóxicos. Ao todo, 89% dos entrevistados dizem que não votariam em um candidato que apoie essa indústria, enquanto 5% não sabem e 6% dizem que talvez ou certamente votariam.
Ao mesmo tempo, 85% dos entrevistados afirmam que não votariam em candidatos que apoiam a indústria do tabaco, 80% rejeitam os que apoiam a indústria de armas e 71%, a indústria do álcool.
Para outros setores, a avaliação varia. Quando questionados se votariam em candidatos que apoiam a indústria de alimentos ultraprocessados, o percentual ainda é alto, mas menor: 63% dizem que não, 29% que votariam e 8% não sabem.
Na contramão, sete em cada dez entrevistados afirmam que votariam em um candidato que apoiasse a indústria automobilística.
Para Paula Johns, diretora-executiva da ACT, os dados mostram um descolamento entre a opinião pública e a posição dos últimos eleitos no Congresso e em cargos do Executivo.
Ela pondera que as bancadas têm crescido, embora o apoio muitas vezes ocorra de forma velada. “Isso não significa que, nas decisões políticas, não vejamos com muita clareza qual a bancada de cada setor pela postura nas votações.”
Johns lembra que pesquisa do Datafolha realizada em 2014 também mostrava alta rejeição a candidatos financiados por indústrias das armas, fumo, álcool e agrotóxicos.
Na época, porém, o levantamento vinculava a avaliação ao financiamento por empresas, possibilidade vetada nas eleições deste ano –daí a questão ser relacionada ao setor apoiado por cada candidato.
Dentre os setores, o que tinha a maior rejeição em 2014 era o de armas, com 92%. Os demais tinham entre 82% e 89%.
Apesar disso, duas das principais bancadas do Congresso Nacional eleito há quatro anos defendem essas indústrias. A Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, mais conhecida como bancada ruralista, conta com 227 deputados (44% do total) e 27 senadores (33%). Já a bancada da bala, oficialmente chamada de Frente Parlamentar da Segurança Pública, tem 299 deputados (58%).
Apesar da rejeição de 80% dos eleitores em relação à indústria das armas, o tema é uma das principais pautas desta eleição.
“O problema da violência é supercomplexo e tem várias temáticas. Ficar nesse escopo gastando metade do tempo falando sobre a liberação de armas de fogo é completamente ilógico”, diz Bruno Langeoni, gerente do Instituto Sou da Paz.
O porte de arma no campo, por exemplo, divide os candidatos à Presidência da República. O primeiro a defender essa questão, ainda durante a pré-campanha, foi Jair Bolsonaro (PSL).
Em busca do eleitorado rural, que migrou em parte para Bolsonaro, Geraldo Alckmin (PSDB) se diz a favor da facilitação do porte de arma para quem não vive na zona urbana.
Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) se dizem contra. Fernando Haddad (PT) afirmou ser a favor da manutenção da legislação em vigor.
Para Langeoni, a divergência entre o resultado da pesquisa e o debate público pode ser explicada pela maior mobilização nas redes sociais de grupos favoráveis à liberação do porte de armas.
“Isso amplifica a visão de que tem muita gente querendo essas mudanças. É um debate que acaba aparecendo mais fortemente só desse lado”, avalia. “Nossa impressão é que vários candidatos fizeram concessão sobre liberar arma no campo como se tivessem fazendo um movimento para ganhar votos. Mas, no fundo, se considerarmos as pesquisas, vemos que isso está na contramão do que o eleitor está esperando.”
Já outros temas, como a regulação de alimentos ultraprocessados, estão fora da agenda da campanha às vésperas do primeiro turno.
Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisa uma proposta de mudança na embalagem desses alimentos para inclusão de alertas sobre o alto teor de sal, açúcar e gorduras.
INCENTIVOS
A pesquisa também questionou o apoio da população a políticas de incentivo fiscal concedidos pelo governo para aumentar a produção de determinados setores.
A maioria é a favor de redução de impostos para o setor de medicamentos (91%), alimentos orgânicos (84%), eletrônicos (77%) e automóveis (69%).
Já isenções para a produção de refrigerantes e bebidas alcoólicas são reprovadas por 49% e 72%, respectivamente.
Em maio, o governo aprovou um decreto que, na prática, retirava as isenções para produção de refrigerantes na zona franca de Manaus. Indústria e parlamentares, porém, tentam derrubar a medida no Congresso.
Para a diretora-executiva da ACT, o decreto que retira a isenção precisa ser mantido para que outras ações possam ser adotadas.
Ela lembra que a OMS (Organização Mundial da Saúde) sugere aumento de no mínimo 20% na taxação de refrigerantes como forma de reduzir seu consumo.
“Derrubar a isenção é um tema central para começarmos a discutir tributo saudável, com o uso de impostos de forma seletiva de acordo com que é bom ou não para as pessoas. Enquanto não derrubarmos o subsídio, não podemos fazer nenhum outro debate”, afirma.
Bahia Notícias