A primeira vacina contra a dengue já está acessível gratuitamente para a população de 30 municípios do Paraná. Embora ainda não exista previsão para que outras regiões do país sejam beneficiadas pela novidade, a espera não deve ser longa.
A notícia é comemorada por especialistas, mas o pesquisador João Bosco Siqueira Júnior, da Universidade Federal de Goiás (UFG), alerta que é preciso dosar a euforia, já que leva tempo entre a introdução de uma vacina e a percepção de seu impacto na saúde da população.
Siqueira Júnior lembrou que, no passado, a introdução de outras vacinas demoraram a surtir efeito na população e que as gerações atuais vivem um cenário em que várias doenças já estão erradicadas. “Essa pessoas, não têm a vivência, por exemplo, de que entre o início da vacina da poliomelite e o controle da doença, se passou um bom tempo. Então é preciso educar a população nesse sentido, pois a dengue não vai acabar amanhã”, disse ele na 18ª Jornada Nacional de Imunizações, que começou ontem (29) em Belo Horizonte e vai até sábado (1º).
O laboratório francês Sanofi Pasteur é o responsável pelo desenvolvimento da vacina contra a doença, que é transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti. Como não há muitos casos de dengue na França, a avaliação de campo ocorreu na Ásia e na América Latina, incluindo o Brasil. O imunizante é indicado para pessoas entre 9 e 45 anos e deve ser aplicado em três doses com intervalos de seis meses.
Registrada em dezembro de 2015 na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a primeira campanha da vacina atendeu a rede pública do Paraná, em julho. A primeira dose já foi distribuída a 30 municípios. Em 28 deles, a campanha tem como público-alvo pessoas entre 15 e 27 anos. Nas outras duas cidades, atende a faixa etária entre 9 a 45 anos.
Enquanto não chega à rede pública de outros estados, a vacina pode ser encontrada em hospitais e clínicas de imunização privados. O custo para os estabelecimentos varia entre R$ 132 e R$ 138, conforme determinou a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed). Para o consumidor, o valor sai mais caro.
A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, também avalia de forma positiva a novidade, mas ressalta o desafio de conscientizar a população.
“A vacina é ótima. Tem uma eficácia de mais de 90% para as formas mais graves da doença. O único ponto negativo é a necessidade de três doses. Por que digo isso? Porque é muito difícil vacinar o adulto. Quando o alvo é uma faixa etária de 9 a 45 anos, há um desafio enorme de trazer as pessoas para a sala de vacinação. Ainda mais quando precisamos fazer isso três vezes, em intervalos de seis meses”
Isabella diz ainda que a inclusão da vacina na rede pública demanda estratégia. “Antes do governo adquirir do laboratório, nós precisamos ter um plano elaborado que permita trazer as pessoas à sala de vacinação. Este é o maior desafio. Do contrário, a vacina fica parada na geladeira. E é preciso garantir também que não vai faltar orçamento para adquirir nenhuma das três doses”, acrescentou.
Estudos
Siqueira Júnior explica que a experiência no Paraná vai permitir avançar em pesquisas sobre os impactos na saúde pública. “A vacina tem resultados que foram divulgados para um indivíduo. Os benefícios individuais estão bem registrados. A nossa próxima pergunta é qual o impacto que a vacina tem na perspectiva da saúde pública. Qual é o resultado de se ter muita gente imunizada?”, indaga.
Segundo ele, um aspecto que precisa ser analisado é a situação dos idosos. Pessoas acima de 60 anos compõem um grupo de risco entre pacientes com o vírus da dengue. Segundo o Ministério da Saúde, idosos têm 12 vezes mais chances de morrer pela doença do que pessoas de outras faixas etárias. No entanto, a vacina foi elaborada para quem possui entre 9 e 45 anos. Ou seja, os idosos estão fora do público alvo.
“Mesmo assim, eles podem ser beneficiados. Pois se as pessoas entre 9 e 45 anos estiverem imunizadas, elas deixam de ser fonte do vírus para o mosquito que picá-las. Dessa forma, espera-se que a quantidade de mosquitos infectados caia. Assim, nós protegemos indiretamente os idosos. É um contexto possível, mas que só as pesquisas poderão confirmar”, explica Siqueira Júnior.
O pesquisador não acredita em prejuízos à população pela vacina. “No passado, isso já ocorreu. Quando foi desenvolvida a vacina para rubéola, por exemplo, as crianças eram o foco. A doença se deslocou para adultos jovens. E, quando mulheres gestantes contraem rubéola, os bebês podem nascer com alguma malformação. Mas a rubéola é uma transmissão de pessoa para pessoa. No caso da dengue, se trata de uma transmissão vetorial. O mosquito não vai alterar seu hábito porque a pessoa tomou ou não a vacina. Para ele, isso não faz diferença”, avalia.
Controle de vetor
Como o resultado da imunização leva tempo para beneficiar a população e, em um primeiro momento, não haverá vacina para todos, o combate ao mosquito precisa continuar.
“A vacina só protege contra a dengue e nós temos também a zika e a febre chikungunya. O mosquito ainda transmite a febre amarela, embora seja uma doença que já tenha vacina há bastante tempo. E mesmo que, no futuro, tenhamos vacina para zika e febre chikungunya, o combate ao Aedes não acaba. Estes mosquitos são muito capazes de transmitir vírus. Futuramente eles podem se adaptar para disseminar novas doenças. Além disso, outros vírus podem também se adequar ao mosquito”, avalia Siqueira Júnior.
O pesquisador da UFG acredita que em breve poderemos contar com novas tecnologias para controle do Aedes aegypti. Ele aponta dois estudos promissores. Um deles pretende utilizar mosquitos geneticamente modificados para impedir a reprodução da espécie.
O outro faz uso da bactéria Wolbachia, facilmente encontrada no meio ambiente. Pesquisa preliminares têm apontado que o vírus da dengue, da febre chikungunya e da zika, quando são infectados por esta bactéria, não conseguem mais ser transmitidos pelo mosquito.
Agência Brasil