A PGR (Procuradoria-Geral da República) enviou parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a rejeição da ação movida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra a decisão que concedeu foro privilegiado ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e transferiu a investigação do caso Queiroz para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, onde os deputados fluminenses são julgados.
No documento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, defende que quando o Supremo delimitou a questão do foro privilegiado “ficaram a descoberto diversas situações fáticas não pensadas e não contempladas no caso então em exame”, entre elas a de parlamentares eleitos de maneira ininterrupta e para casas legislativas diversas. É o caso de Flávio Bolsonaro, que emendou o mandato de deputado estadual com o de senador.
Segundo a PGR, no âmbito do próprio Supremo há questões pendentes referentes ao novo entendimento da Corte sobre a prerrogativa de foro, como a questão dos mandatos sucessivos e dos ‘mandatos cruzados’.
“Da mesma forma que não há definição pacífica do Supremo Tribunal Federal sobre ‘mandatos cruzados’ no nível federal, também não há definição de ‘mandatos cruzados’ quando o eleito deixa de ser representante do povo na casa legislativa estadual e passa a ser representante do Estado da Federação no Senado Federal (câmara representativa dos Estados federados). Dessa breve exposição, constata-se que há diversas hipóteses e situações que não foram ainda pacificadas pelo Supremo Tribunal Federal. Igualmente também surgirão diversas interpretações acerca do julgamento da AP 937 (QO). É normal que isso aconteça. É do sistema. O entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal ainda está sendo decantado pelo corpo do Poder Judiciário”, escreveu o vice-procurador-geral.
A Procuradoria destaca ainda que não há “efeito vinculante” na decisão do STF que restringiu o alcance do foro privilegiado. “A decisão, com efeito, não foi proferida em sede de controle concentrado. Não vincula os demais órgãos do Poder Judiciário. Não há efeito vinculante em julgamento proferido no bojo de uma ação penal, cujo desfecho limita-se a condenar ou absolver. A questão de ordem, a seu turno, é de índole endógena, não sendo possível atribuir-lhe efeito vinculante”, registra o documento.
Em outro trecho do documento, Humberto Jacques de Medeiros ainda faz referência ao fato de que o Ministério Público do Rio perdeu o prazo para apresentar recurso à decisão da 3ª Câmara Criminal que garantir foro a Flávio. “Aconteceu o trânsito em julgado. Noutros termos, reclamante e reclamado concordaram com o acerto da decisão monocrática, mesmo tendo a possibilidade de um reexame mediante a interposição de recurso. Aceitaram o trânsito em julgado da decisão que firmava a ausência de competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a reclamação”, afirmou o vice-procurador-geral no parecer enviado ao Supremo.
A ação do MP fluminense foi distribuída a Gilmar Mendes “por prevenção”, ou seja, não foi sorteada livremente entre os ministros do tribunal. O processo foi encaminhado diretamente ao magistrado porque ele já é relator de uma outra ação, movida pela defesa de Flávio, no âmbito das mesmas investigações. O ministro deve levar o caso pra Segunda Turma do STF.
Em 2018, o Supremo decidiu que o foro privilegiado só vale para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo. A situação do filho do presidente Jair Bolsonaro não se enquadra nesses novos critérios, porque os fatos apurados não dizem respeito a suspeitas envolvendo seu atual cargo, mas, sim, a seu gabinete na época em que ele era deputado estadual no Rio.
Em junho, o ministro Marco Aurélio Mello disse ao Estadão que a decisão da Justiça do Rio “desrespeitou, de forma escancarada” o entendimento do STF sobre o alcance do foro privilegiado.
Desde que o STF restringiu a prerrogativa, dezenas de inquéritos que investigavam políticos foram encaminhados para a primeira instância. No ano passado, por exemplo, Marco Aurélio Mello enviou para a Justiça Federal de São Paulo um inquérito que investigava o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). As acusações, levantadas na delação da JBS, diziam respeito ao período em que o tucano era senador. Tanto deputados federais quanto senadores possuem prerrogativa de foro perante o STF. No entanto, com a mudança na carreira política de Aécio, Marco Aurélio concluiu que a investigação não era mais de competência do STF, por não dizer respeito ao atual cargo do tucano.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes também enviaram outros inquéritos que investigavam Aécio para a Justiça Eleitoral com base no novo entendimento do foro privilegiado.
Integrantes do STF que pediram reserva também apontam que a jurisprudência da Corte é clara no sentido de que, quando se deixa uma determinada função pública, também acaba o foro garantido por aquele cargo.
R7