O principal meio de comunicação entre policiais civis da Dise (Delegacia de Polícia de Investigações sobre Entorcepentes) de Taubaté e supostos traficantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) da região eram linhas telefônicas que não levantavam suspeitas, por serem cadastradas em nome de terceiros e sem qualquer vinculação aparente com seus reais usuários.
“Os aparelhos usados para falar com traficantes são chamados de bombinhas”, explica o promotor de Justiça Alexandre Affonso Castilho, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Vale do Paraíba
Os policiais civis acusados foram condenados em 1ª instância por, supostamente, cometerem diversas práticas criminosas no Vale do Paraíba, com o objetivo de manter o comércio de drogas na região nas mãos de pessoas apontadas como traficantes do PCC. O processo ainda permite recurso.
Segundo o promotor Castilho, um dos celulares usados por policiais civis foi conseguido a partir de uma prática do agente policial Aderson Leandro Silva Pinheiro, que “usou dados de um traficante que havia sido preso no passado e cadastrou um chip para usar”.
A denúncia do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) aponta que chegou aos supostos telefones — utilizados exclusivamente para o contato de policiais civis da Dise com supostos traficantes vinculados ao PCC — a partir da segunda fase da interceptação telefônica dos policiais, feita pelo Gaeco.
As interceptações telefônicas começaram em julho de 2015. No entanto, segundo o promotor Castilho, foram necessárias duas fases distintas para obter indícios que relacionassem policiais civis da Dise aos supostos traficantes.
Após as interceptações, a denúncia do MP-SP afirma que “foram revelados alguns esquemas de arrecadação de propina, com crimes de corrupção, extorsão, vazamento de informações”.
Ainda houve, segundo o documento do Ministério Público, “violação de sigilo funcional” e “auxílio direto a certos traficantes”.
Além do monitoramento dos telefones de supostos traficantes do grupo de Oscar da Silva Vieira, apontado como chefe do PCC na região, foram feitas interceptações nos aparelhos dos policiais Aderson e Flávio Augusto dos Santos.
A primeira fase da investigação do Gaeco, do MP-SP, interceptou celulares utilizados pelos policiais publicamente e para relacionamento com colegas do trabalho.
“Com o monitoramento dessas conversas, foi possível verificar nuances da rotina na Dise, inclusive inúmeras irregularidades em suas investigações e diligências”, afirma a denúncia.
O documento ainda aponta que, por meio das interceptações, foi possível perceber que os policiais Aderson e Flávio Augusto eram os responsáveis por ouvir investigados em escutas telefônicas presididas pela Dise e conduzir as equipes em diligências.
Durante as conversas interceptadas, de acordo com o MP-SP, foram descobertos outros supostos crimes que estariam sendo cometidos pelos policiais. Dentre as possíveis irregularidades, estavam violações de domicílio, relatórios e denúncias anônimas produzidas falsamente, extorsões e prisões forjadas.
A denúncia do Ministério Público ainda afirma que encontrou, em um dos telefones apreendidos na mesa de trabalho de Flávio Augusto, uma foto do suposto traficante Oscar, possivelmente transferida por WhatsApp
O aparelho telefônico do suposto traficante Luiz Fernando Moraes Veloso, conhecido como Nando, começou a ser interceptado no dia 16 de outubro de 2015.
As conversas interceptadas do celular de Nando indicaram, segundo a denúncia do MP-SP, que o suposto traficante teria intenso contato com Aderson e Flávio Augusto. Isso foi constatado a partir das características “inconfundíveis” das vozes dos policiais.
Outro indício de que o telefone de Nando matinha contato com os policiais foi que, em uma das conversas interceptadas, em 19 de janeiro de 2016, os nomes dos dois policiais foram expressamente mencionados sobre um possível “acerto”.
Com essas evidências, o documento do Ministério Público afirma que houve a certeza de que Aderson e Flávio Augusto possuíam telefones utilizados exclusivamente para o cometimento de crimes.
Em novembro de 2015, foram interceptadas as linhas telefônicas “bombinhas” — usados exclusivamente para conversas com supostos traficantes — dos policiais civis.
A partir disso, o MP-SP deu início à segunda fase de interceptações. A denúncia afirma ainda que o delegado Marcelo Duarte Ribeiro teria reconhecido as vozes dos subordinados nas gravações que lhe foram reproduzidas.
De acordo com a denúncia, foram quase 600 conversas telefônicas e mensagens que supostamente revelariam atividades ilícitas envolvendo policiais civis da Dise de Taubaté e suspeitos de comandarem o tráfico de drogas na região.
“Todo problema que o Nando tinha na rua, com outros traficantes, ele passava para o Aderson”, afirma o promotor de Justiça.
Castilho diz que o suposto traficante Nando também contribuía com os policiais civis, sendo um grande informante de Aderson. As informações, no entanto, era para que a Polícia Civil atuasse contra os possíveis concorrentes do PCC na venda de drogas da região.
Em uma das transcrições de outra conversas, que consta na denúncia do MP-SP, Aderson teria dito a Nando “infelizmente não sou Madre Tereza de Calcutá”, em referência a uma suposta negociação de pagamento que seria realizado por um suspeito do grupo de Nando.
Em uma conversa interceptada, que o MP-SP aponta que foi entre o policial Flávio Augusto e o suposto traficante Nando, existe uma possível negociação de armas e munições.
No diálogo, Flávio Augusto teria dito que tinha uma “coisa que Nando gosta”. O suposto traficante teria desconfiado que o policial pretendia vender uma arma, e perguntou a numeração. No entanto, Flávio Augusto teria avisado que se tratava apenas era “umas coisinhas que põe dentro”, explicando se tratar de munições.
Aderson
A defesa de Aderson, feita pelas advogadas Thaís Petinelli e Juliana Bignardi, do escritório Bialski Advogados, afirma que o número de telefone citado na denúncia do MP-SP não pertencia aos policiais e que Aderson não teve nenhum contato telefônico com os supostos traficantes.
“Foi requerida perícia de voz para comprovar que não era ele, mas como usualmente fez, o juiz a indeferiu”, disse à defesa, em resposta enviada ao R7via e-mail.
A defesa ainda destaca que a conversa que o delegado Marcelo reconheceu a voz de Aderson trata-se de “uma conversa entre ele [delegado] e Aderson, no curso das operações”. Portanto, as advogadas dizem que nenhuma testemunha ou vítima reconheceu a voz do policial.
Por fim, a defesa diz que, “conforme consta nos autos, Aderson utilizava apenas linha em seu próprio nome”, portanto, não tinha celulares para uso exclusivo com supostos traficantes.
Flávio Augusto
Em contato telefônico com o escritório da defesa do policial Flávio Augusto, na tarde de quinta-feira (8), o advogado Angelo Lucena Campos, um dos defensores do policial Flávio Augusto dos Santos, disse que o advogado Alexandre Almeida de Toledo, principal defensor, não estava no local e poderia atender à reportagem na manhã desta sexta-feira (9).
No dia anterior, quarta-feira (7), o R7 já havia procurado a defesa de Flávio Augusto, mas também havia sido informada que o advogado Alexandre não estava e só poderia atender à reportagem na tarde de quinta-feira.
Na terça-feira (6), o R7 chegou a conversar por telefone com o advogado Alexandre. Ele disse que não poderia atender a reportagem e retornaria o contato. O R7 também enviou os questionamentos ao advogado por e-mail, no entanto, não houve retorno.
Marcelo
Em contato com o advogado Adilson José Vieira Pinto, que defende o delegado Marcelo Duarte Ribeiro, ele disse que seu cliente “não tinha conhecimento dos celulares usados para contato com traficantes”.
A defesa diz que “em nenhum momento ele [Marcelo] foi denunciado por associação ao tráfico, nem nenhum ato de corrupção”.
Vieira Pinto ainda destaca o fato de Marcelo estar em liberdade e nunca sequer ter sido preso. “A denúncia é por ele ter se associado a policiais para a prática de violação de domicílio, de abuso de autoridade, falsidade documental”, disse.
O advogado afirma que Marcelo não tinha conhecimento do crime e ressalta que “hoje existe um recurso de apelação pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”.
Luiz Fernando
Em contato telefônico com o advogado Rogê Fernando Souza Cursino dos Santos, ele disse que seu cliente, Luiz Fernando Moraes Veloso, nega qualquer contato com os policiais civis da Dise de Taubaté.
Luiz Fernando também nega qualquer envolvimento com tráfico de drogas na região, segundo a defesa, e espera que haja a “absolvição por negativa de autoria” no processo que está em grau de recurso no Tribunal de Justiça.
Oscar
A defesa de Oscar da Silva Vieira, feita pelo advogado Jeferson Douglas Paulino, não atendeu às ligações telefônicas da reportagem nem na quarta-feira (7) nem na quinta-feira (8). O R7 segue tentando contatá-lo.
R7