Pegos de surpresa, alunos, pais, professores, diretores de escola e governos precisaram de planos emergenciais para garantir a continuidade do aprendizado de maneira remota. Algo inacessível para parte dos estudantes, principalmente de regiões mais pobres.
O secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, alertou nesta semana para uma “catástrofe geracional” provocada pelo fechamento das escolas em meio à pandemia. Ele falou em 1 bilhão de estudantes afetados em 160 países e pediu que as aulas sejam “prioridade” dos governos na retomada de atividades.
Mas por que cidades no mundo todo reabrem bares, academias, restaurantes, comércio e as escolas continuam fechadas?
A médica infectologista Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, observa que não há evidências suficientes sobre o comportamento do coronavírus com um aumento da circulação de crianças na sociedade. Na gripe, por exemplo, elas têm um papel importante na disseminação do vírus.
“Apesar de a gente saber que as crianças transmitem menos e adoecem menos, a gente não sabe exatamente o papel das crianças nessa dinâmica de transmissão viral, porque todas elas até então estavam em casa. Agora que nós vamos ver. Os países que estão retornando estão mostrando para nós que parece que não tem problema. Mas esses países conseguiram fazer os protocolos básicos.”
É o que tem feito a Austrália. Um estudo publicado nesta semana na revista científica The Lancet com instituições de ensino infantil no estado de Nova Gales do Sul concluiu que “as taxas de transmissão do SARS-CoV-2 foram baixas no ambiente educacional” da região durante a primeira onda da pandemia.
Mas o governo local fez o que é recomendado para conter a pandemia e tentar ter uma rotina normal: responder rapidamente e da maneira certa.
Essa resposta rápida significa, segundo um estudo britânico publicado na mesma revista, testar o maior número possível das pessoas sintomáticas (entre 59% e 87%), tanto em ambientes escolares como fora deles.
A conclusão foi que “para evitar uma segunda onda de covid-19, o relaxamento do distanciamento físico no Reino Unido, incluindo a reabertura de escolas, deve ser acompanhado de testes em larga escala em toda a população de indivíduos sintomáticos e rastreamento eficaz de seus contatos, seguido pelo isolamento dos indivíduos diagnosticados”.
Reino Unido e Austrália estão entre os 25 países do mundo que mais fazem teste de covid-19 por milhão de habitantes — 249 mil e 177 mil, respectivamente.
No Brasil, que ocupa a posição de número 64, a realidade é bem diferente.
O país testou até agora cerca de 62 mil pessoas por milhão de habitantes. Entretanto, o cenário muda de acordo com o estado.
Diante de incertezas, cidades da região metropolitana de São Paulo já começam a definir o retorno às aulas só em 2021. Uma decisão do governo estadual sobre o calendário escolar está prevista ser anunciada nesta sexta-feira (5).
Outro grande desafio, apontado por Rosana Richtmann diz respeito ao próprio público das instituições de ensino.
“Você está falando com criança e adolescente, faixas etárias que têm discernimento e sabem como cumprir e outras que não têm. É complicado. Também tem crianças com condições especiais no sentido da sua saúde, asma grave, algum tratamento imunossupressor, altas doses de corticoide… essas crianças, eu acho, que elas precisam estar em uma segunda etapa.”
A médica cita também o medo de muitas famílias que possuem pessoas em grupos de risco, como pais e avós na mesma casa. Uma pesquisa do Datafolha mostrou, no fim de junho, que 76% dos brasileiros em todas as faixas de renda concordavam com o fechamento das escolas nos dois meses seguintes (julho e agosto).
“O pai que não se sente seguro em mandar as crianças para a escola tem que ter a opção de manter o aprendizado remoto”, defende Rosana.
O período de permanência das crianças na escola é um fator que diferencia esse tipo de estabelecimento de uma loja, por exemplo. A médica explica que, além da carga viral, o tempo em que a pessoa é exposta também influencia na contaminação.
Um retorno do ensino presencial implicaria ainda em aumento da mobilidade nas cidades. Como consequência, pode haver mais gente no transporte público, representando uma forma de aglomeração, que é tudo o que autoridades sanitárias tentam evitar neste momento.
“O que precisa ser reforçado é a possibilidade de retorno [às aulas presenciais], desde que os critérios sejam cumpridos. Não é uma decisão fácil para nenhuma das partes, mas o que não podemos é nos abster de debater e encontrar caminhos”, avalia o ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde Wanderson de Oliveira.
Para ele, que é epidemiologista, é “irracional termos academias como serviço essencial” enquanto escolas permanecem totalmente fechadas.
Neste contexto, associações de escolas particulares e governos municipais e estaduais começam a desenhar planos para uma volta às aulas com segurança.
Um item é consenso: as escolas terão que funcionar com capacidade reduzida de alunos, muito provavelmente em esquema de rodízio. O uso de máscaras, medidas de higiene e o distanciamento, assim como em outros lugares, será fundamental.
“Na minha opinião, a medida mais importante é o distanciamento. Você achar que esses adolescentes e crianças vão usar máscara o tempo todo, é complicado. Lógico que devem e serão orientados para isso. Mas não dá para confiar porque a gente sabe todo o comportamento dessa população. Então, você manter o distanciamento, seja dentro da aula, na hora do intervalo, na entrada da escola, no transporte escolar… tem várias fases até essa criança ou adolescente entrar na sala de aula”, comenta Rosana.
Mas o grande desafio, ressalta a infectologista, está em reeducar alunos, pais e funcionários das escolas para que as medidas de controle sejam incorporadas à rotina, o que ela classifica como “alfabetização sanitária”.
“Qualquer sintoma dessas crianças, os pais não podem mandar para a escola. A mesma coisa com os professores.”