Você se lembra da última vez em que jantou com seus amigos e saiu com a sensação de que comeu mais do que deveria? Ou quando evitou pedir sobremesa porque ninguém mais na mesa quis?
Sempre que você estiver com a consciência pesada, pense em culpar as normas sociais da próxima vez. Várias décadas de pesquisa mostram que comemos mais quando estamos acompanhados e que seguimos o que e como os outros comem.
Mas como exatamente nossas companhias afetam o que comemos? E podemos nos beneficiar disso para reduzir o consumo de açúcares e gorduras e até mesmo perder peso?
Uma série de estudos conduzida pelo psicólogo americano John de Castro em 1980 lançou luz sobre as normas sociais quando comemos.
Em 1994, de Castro reuniu registros diários de cerca de 500 pessoas tanto em relação ao que comiam quanto ao contexto social em que essas refeições aconteciam – sozinhas ou acompanhadas.
Para a surpresa dele, as pessoas comiam mais em grupo do que quando estavam sozinhas.
Experimentos realizados por outros cientistas também revelaram que comemos até 40% mais sorvete e 10% mais massa e carne quando estamos acompanhados. De Castro chamou esse fenômeno de “facilitação social”, e o descreveu como “a influência mais importante e onipresente sobre a alimentação até então identificada”.
Refeições mais longas
O que aguça o nosso paladar quando comemos com outra pessoa? A fome, o humor e as interações sociais foram todos elementos desconsiderados por Castro e outros cientistas.
A razão é muito mais simples: estudos comprovaram que prolongamos o tempo durante o qual comemos quando estamos em grupo e, portanto, acabamos ingerindo mais comida nesses minutos extras.
Uma análise minuciosa feita em vários restaurantes mostrou que grupos mais numerosos desfrutam de refeições mais longas. Por outro lado, quando o horário das refeições é fixo, não houve mudança significativa na quantidade de comida ingerida.
Em um experimento de 2006, cientistas reuniram 132 pessoas e deram a elas 12 ou 36 minutos para comer biscoitos e pizza. Os participantes comeram sozinhos, em pares ou em grupos de quatro. Independentemente do tempo que levaram para comer, cada um ingeriu quantidade semelhante de comida.
Esse experimento forneceu uma das evidências mais fortes de que o maior tempo de refeição é a chave para entender por que comemos mais quando estamos acompanhados.
A conclusão parece óbvia, já que, quando jantamos com nossos amigos, costumamos demorar mais e, portanto, comer mais.
Quando estamos em grupo, também pedimos mais comida individualmente. Isso foi revelado a partir de observações em um restaurante italiano: quanto maior o grupo, mais massas e sobremesas cada pessoa pedia. Refeições desse tipo parecem nos deixar mais famintos, e acabamos cedendo à tentação mesmo antes de fazermos o pedido.
Essas constatações levaram C. Peter Herman, um cientista de alimentos, a propor sua “hipótese do banquete”: a indulgência é parte integrante das refeições sociais. Também socializamos a culpa, de forma que todos possamos comer mais sem nos preocupar com os excessos.
Além disso, a satisfação de comer juntos pode ser sentida mesmo que nossa companhia não seja real.
Pesquisadores japoneses pediram a voluntários que comessem pipoca sozinhos, em frente a um espelho ou a uma imagem na parede. Resultado: aqueles que comeram diante de um espelho comeram mais pipoca.
Aliás, você já reparou quantos restaurantes usam espelhos como item de decoração?
‘Modelagem social’
Mas às vezes comemos menos quando estamos acompanhados.
Nosso impulso pela comida pode ser “domado” pela necessidade de nos comportar. Poderíamos controlar esse ímpeto comendo de acordo com as normas sociais ou podemos observar como os outros estão comendo e seguir o exemplo, um comportamento chamado “modelagem social”.
Existem muitos desses exemplos. Estudos mostraram que crianças obesas comiam menos em grupos do que quando sozinhas. Os jovens com excesso de peso comeram mais batatas fritas e biscoitos quando acompanhados por um jovem também com excesso de peso, mas não quando comeram com alguém com peso normal.
Nos cafés da universidade, as mulheres consomem menos calorias com homens à mesa, mas comem mais em grupos exclusivamente femininos. E em todos os EUA, as pessoas pedem mais sobremesas quando servidas por garçons com alguns quilinhos extras.
No Reino Unido, as pessoas passaram a acrescentar legumes às suas refeições depois que cartazes foram pendurados em restaurantes dizendo que a maioria dos clientes comia legumes.
Um estudo de 2014 revelou que isso teria um efeito moderado sobre a ingestão de alimentos. As mulheres tendem a ter reações mais fortes do que os homens, e também costumamos imitar o comportamento de pessoas que são mais parecidas conosco. Esses padrões estão alinhados com o conceito de que assimilamos os sinais de comportamento pertinente e comemos de acordo com eles.
Até agora, muito poucos estudos consideraram por que evoluímos para comer de acordo com o contexto social.
Uma das razões para acatar as normas sociais e não comer mais do que os outros poderia estar relacionada ao compartilhamento de alimentos, já que nossos ancestrais precisavam caçar para comer.
E comer com os outros pode ajudar as crianças a desenvolver preferências por alimentos seguros e nutritivos e, portanto, evitar alimentos potencialmente perigosos.
“Podemos aprender por tentativa e erro, mas isso é arriscado e pode nos deixar muito doentes. Acredito ser muito importante, desde a primeira idade, observar outras pessoas e comer como elas, especialmente aquelas que sobrevivem até a velhice, porque suas escolhas alimentares tendem a ser muito corretas e apropriadas”, diz Suzanne Higgs, professora de psicobiologia da comida na Universidade de Birmingham, na Inglaterra.
‘Escolhas erradas’
Infelizmente, como sempre estamos diante de maior fartura de alimentos poucos saudáveis, como batatas fritas e doces, nossas escolhas alimentares podem acabar sendo erradas.
Isso porque, já que costumamos comer de modo parecido a nossos círculos sociais próximos, acabamos nos preocupando menos com qualquer excesso se todos comemos mais e ganhamos peso juntos.
Em tais ambientes, “podemos fracassar em reconhecer a obesidade quando ela se torna preponderante”, diz Sarah-Jeanne Salvy, professora associada de medicina preventiva da Universidade do Alabama.
Salvy estuda os aspectos sociais da alimentação e obesidade.
“Quando os pacientes ouvem o quanto devem pesar com base no gráfico de Índice de Massa Corporal (IMC), ficam surpresos e pensam que o gráfico estava errado ao estabelecer critérios impossíveis”, diz.
Neste sentido, uma mudança nas normas sociais em relação aos mais gordinhos pode explicar parcialmente porque muitas pessoas estão gradualmente se tornando obesas – a Organização Mundial da Saúde estima que até 1 bilhão de pessoas em todo o mundo são obesas, incluindo 340 milhões de crianças.
Felizmente, ter uma alimentação saudável não exige que abandonemos os amigos com alguns quilos a mais do que nós.
Na verdade, devemos reconhecer que nossos hábitos alimentares são amplamente moldados por influências sociais. Sendo assim, seremos mais conscientes sobre como podemos agir nessa situação e tomar o controle de nossas refeições – talvez pular o aperitivo ou a sobremesa, por exemplo.
Mas se Herman estiver certo quando fala que somos mais indulgentes quando estamos acompanhados, então conscientemente controlar nosso apetite prejudicaria nossa natureza. Pior ainda quando seu vizinho de mesa pede um cheesecake para finalizar o jantar.
R7