Jovem, sem partido e eleito ao cargo máximo sem nunca ter disputado antes qualquer tipo de eleição: o presidente francês, Emmanuel Macron, se tornou um modelo de líder político que inspira candidatos em vários países, inclusive no Brasil.
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Repetir a façanha de Macron está longe, no entanto, de ser algo simples. Ele não representou apenas um candidato novo e fora do sistema político. Há vários fatores combinados que explicam sua ascensão.
No Brasil, a possibilidade de surgir um candidato nos moldes do francês nas eleições presidenciais de outubro é praticamente inexistente, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Macron chegou a ser chamado de “óvni” na campanha presidencial francesa. Ele parecia ter caído de paraquedas no cenário político que se repetia há décadas, com velhos partidos se alternando no poder.
No entanto, sua trajetória foi construída progressivamente, com um movimento lançado um ano antes das eleições presidenciais de 2017.
O “En Marche” (Em Marcha), que permitia a adesão gratuita pela internet, percorreu o país ouvindo a população e consolidou uma nova forma de fazer campanha política na França.
Três meses após o seu lançamento, o movimento já havia atraído milhares de pessoas em um evento em Paris.
“Macron já estava pronto desde muito cedo para a disputa com um movimento estruturado e fez uma campanha original”, disse à BBC Brasil Guillaume Liegey, especialista em estratégia eleitoral no mundo digital e presidente da LMP, empresa de tecnologia que coordenou a campanha de Macron.
“Uma das condições fundamentais para fazer o que Macron conseguiu é a de criar um movimento, e não desenvolver seu projeto dentro de um partido já existente”, afirma Bruno Cautrès, professor da universidade Sciences Po de Paris.
Espaço no campo político
No Brasil, por outro lado, a filiação partidária de um candidato é obrigatória, o que já diminuiria as chances de alguém como Macron chegar ao Planalto.
“É muito difícil, em razão do sistema brasileiro, que um candidato novo, de um partido desconhecido, ganhe as eleições e, além disso, tenha apoio no Congresso”, afirma Carlos Gustavo Poggio Teixeira, chefe do departamento de Relações Internacionais da PUC-SP.
“Não vejo atualmente no Brasil um caldo social, econômico e político que permita a ascensão de uma figura como o Macron. É muito difícil reproduzir esse fenômeno”
Os sistemas políticos do Brasil e da França têm muitas diferenças, mas o Brasil também vive atualmente, como a França, um clima de forte desconfiança e até de rejeição da opinião pública em relação à classe política.
Durante a campanha, Macron adotou o discurso de fazer política diferente dos velhos partidos e, sobretudo, fez a aposta estratégica de ocupar um espaço que existia no centro do espectro político, afirmando não ser “nem de direita nem de esquerda” em um cenário de forte polarização política.
O último presidente centrista do país, Valéry Giscard d’Estaing, havia sido eleito há mais de 40 anos. O centro na França, durante décadas, foi um dos componentes de governos da direita conservadora.
“Quando há um espaço no centro há mais chances de surgir um outsider(alguém de fora da política). Mas ganhar a eleição é outra coisa”, destaca Liegey.
Embora tenha feito parte de um governo de esquerda – como ministro da Economia do presidente socialista François Hollande – Macron cultivou a imagem de alguém “livre intelectualmente” e que poderia agradar à centro-direita, observa Cautrès, da Sciences Po.
“O espaço no centro não pode ser preenchido por mágica. Tenta-se fabricar um Macron no Brasil, mas isso não se fabrica”, diz Jean-Jacques Kourliandsky, pesquisador do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (IRIS) da França.
Segundo ele, o único que consegue atualmente ocupar um vazio no campo político brasileiro e criou uma dinâmica eleitoral é o pré-candidato Jair Bolsonaro, do PSL, que “nem de longe” seria uma figura como Macron.
O perfil do presidente francês, diz o pesquisador Cautrès, é outro elemento importante para explicar seu percurso. “Macron surge como uma personalidade nova e que representa uma aspiração de que a política seja conduzida por pessoas competentes e não por políticos profissionais.”
Avalanche de reformas
Desde que assumiu o cargo, o presidente lançou uma avalanche de reformas nas mais variadas áreas, que vão do trabalho à educação e imigração, passando por hospitais, funcionalismo público e agricultura.
Aos críticos, ele responde que está cumprindo suas promessas de campanha. Na imprensa, diz-se que ele envia mensagens a colaboradores e ministros na madrugada e costuma dormir poucas horas.
No entanto, as pesquisas de opinião têm demonstrado queda no apoio a Macron. Após uma melhoria nos últimos meses, sua popularidade voltou a cair e atingiu o pior índice desde o início do mandato, há dez meses – menos da metade dos franceses aprova sua gestão.
Ele passou a ser chamado de “presidente dos ricos” e criticado por implementar apenas medidas conservadoras, em detrimento de políticas sociais.
Para boa parte da população, as prometidas reformas rápidas ainda não surtiram efeitos no dia a dia, sobretudo em relação à melhoria de poder de compra.
Mesmo assim, analistas consideram que Macron tem o caminho livre para governar. Ele se beneficia de uma conjunção excepcional de fatores para levar adiante suas reformas: oposição e sindicatos enfraquecidos e um cenário econômico favorável, com a retomada do crescimento.
Para levar adiante suas reformas, o presidente dispõe de uma confortável maioria parlamentar. Seu partido, batizado de A República em Marcha, elegeu mais de 300 deputados saindo de zero.
Essa, também, é uma grande diferença do cenário francês em relação ao Brasil. “A maioria parlamentar contribui para dar peso à figura presidencial”, afirma Gaspard Estrada, do Observatório Político da América Latina e Caribe (Opalc) da Sciences Po.
“No Brasil, como não houve uma real reforma política, o novo presidente vai ter de manter uma coalizão e vai precisar compor com a velha política”, diz.
Apesar da maioria parlamentar, Macron optou por utilizar medidas provisórias em alguns casos, como na reforma trabalhista e na reforma da empresa ferroviária estatal ferroviária, algo incomum na França. Segundo ele, o objetivo é acelerar o processo e evitar muitas discussões.
Pouco tempo
O presidente francês também conseguiu se impor rapidamente no cenário internacional. Sua ação no exterior é aprovada pela maioria dos franceses, segundo pesquisas.
Para Teixeira, da PUC-SP, ainda é possível que surja na corrida presidencial no Brasil um candidato sobre o qual ninguém está falando e que desponte. “Mas não dá para fazer um paralelo com o Macron. Acho muito difícil”, afirma.
Segundo o estrategista eleitoral Guillaume Liegey, que atuou na campanha de Macron e esteve no Brasil para prospectar clientes, um eventual candidato com esse perfil teria de obter apoio de movimentos como o Agora! e o RenovaBr.
Mas ele teria de aparecer na cena política até o início de abril no máximo, “se não será tarde”, afirma Liegey, acrescentando que “Macron não pode ser clonado”.