Diante do cenário político absolutamente instável, o termo “previsibilidade” se tornou um mantra para executivos de montadoras de veículos no Brasil. E alguns segmentos mais devastados pela crise econômica, como o de caminhões, buscam um horizonte para retomar as atividades. Esta é a tônica do seminário “Caminhos Para A Retomada”, organizado pela Anfavea, a associação nacional das fabricantes de veículos.
Nesta terça-feira (13), líderes de seis das maiores empresas instaladas no País debateram os entraves e possíveis saídas para a grave crise que paralisa o mercado de caminhões, um dos — senão “o” — que mais vem sofrendo com a recessão dos últimos anos. Também participaram membros de outras associações, como a Fenabrave, dos concessionários, e bancos, como o BNDES, representado pelo diretor Ricardo Ramos.
Vários pontos foram abordados, desde o crédito via Finame aos investimentos em infraestrutura, estímulo ao mercado de usados e à renovação da frota, que incluí a necessidade de mudanças na legislação. Os tais caminhos para a retomada buscam “estancar a sangria” na indústria, termo usado por políticos em Brasília, porém com proposta de modernizar os negócios de forma a tornar a indústria nacional mais competitiva.
A ideia vai de encontro ao que propõe o Rota 2030, novo programa estatal para o setor automobilístico que está sendo elaborado pelo ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços para substituir o Inovar Auto a partir de 1º de janeiro de 2018. Resumidamente, o novo pacote de regras e estímulos quer reformar a atual política, considerada “protecionista” e voltada ao mercado interno, com duras imposições aos importadores.
Se a crise nas vendas de carros andam tirando o sono de executivos nas fábricas, a de caminhões é desesperadora. Em 2016, foram vendidos 51 mil modelos, e outros 21 mil foram exportados. Em 2012, ano do recorde histórico, os emplacamentos somaram 173 mil unidades, e 27 mil foram exportados. Mas o número mais chocante é de capacidade instalada no País: as empresas têm condições de entregar 422 mil caminhões e ônibus por ano.
O pico foi registrado em 2012, com 224 mil veículos produzidos. Em 2016, 61 mil foram montados em solo brasileiro. Para 2017, a Anfavea projeta a montagem de 76 mil modelos, número inflado pelas exportações, que tendem a crescer com a desvalorização do real perante ao dólar norte-americano, e também pela alta nas safras de grãos. O crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) também acena uma luz no fim do túnel.
Para Antonio Megale, presidente da entidade, “haverá crescimento, ainda que modesto, o que é um alento”.
De forma geral, houve alinhamento nos discursos dos líderes das montadoras. Há consenso de que é essencial estimular o mercado de usados, para girar as frotas ociosas de grandes empresas e, assim, fazer com que caminhoneiros autônomos, que são maioria no interior do País, troquem seus veículos por modelos mais novos. O maior obstáculo é a lei, que permite que caminhões com 30 anos (ou mais) de uso continuem circulando.
“O primeiro passo tem de ser o mercado de usados. Se conseguirmos revitalizar este segmento, ele puxará o de novos. Mas o caminhão tem de estar num preço adequado. No interior vemos modelos em péssimo estado, porque o frete caiu. Muitos deixaram de fazer a manutenção, e isso desbalanceou a frota. Vários veículos fizeram a safra entre 2011 e 2013 e depois pararam”, pontuou João Pimentel, diretor de operações da Ford Caminhões.
Para Phillip Scheimer, CEO da Mercedes-Benz do Brasil, outro problema grave é a lei permitir que modelos muito antigos continuem nas estradas. “Não faz sentido transportar por 30 anos em um caminhão, não podemos permitir isso, este uso prolongado”, declarou. Sua posição parece radical, mas é altamente justificável. Além de não oferecerem itens de segurança essenciais, os caminhões antigos poluem até 40 vezes mais que os novos.
A visão de Scheimer é compartilhada por Marco Borba, vice-presidente da Iveco. “O País incentiva a frota a ficar antiga a partir do momento em que isenta de imposto os veículos com mais de 20 anos. E quanto mais novo é o modelo, maior é a alíquota cobrada”, completou. De acordo com a Anfavea, um caminhão com 30 anos de uso despeja na atmosfera a mesma quantidade de gases que uma frota de 40 caminhões novos, com motores Euro 5.
Aposta na nova rota
Todos os executivos presentes no seminário referenciaram, de forma unânime, o Rota 2030 como a esperança por alguma estabilidade para a indústria nacional. Para Scheimer, da Mercedes, “os brasileiros são competitivos no esporte, mas não na economia”. “Temos de ser mais competitivos dentro da indústria global”. Fabiano Todeschini, presidente da Volvo Caminhões e Ônibus, segue a mesma linha.”Precisamos da previsibilidade e de uma visão mais ampliada, de não olhar apenas para o Brasil, mas para o mundo”.
O momento mais “quente” do debate foi registrado quando um dos paineis abordou as novas regras do Finame, programa de financiamento do BNDES. No início de 2017, o acesso ao crédito do banco estatal foi reduzido, e passou-se a exigir conteúdos locais. A mudança foi questionada por Luiz Carlos Moraes, vice-presidente da Anfavea, e Alexandre Parker, membro da entidade. Ambos justificaram que estes entraves podem impedir uma projeção maior do Brasil como exportador.
Segundo Alexandre, “o setor de caminhões investe mais de R$ 1 bilhão por ano em modernização de produtos e portfólio”. “A nacionalização é necessária, mas não por conta do Finame. A competitividade está acima do conteúdo, que seria consequência”. Marcelo Porteiro, superintendente da área agropecuária do BNDES, devolveu. “Se há uma percepção da indústria de que ainda falta alguma coisa, melhor sentar e discutir. Talvez esta metodologia não seja perfeita, mas está bem melhor que a anterior”.
“Acreditamos que já estamos quebrando paradigmas nesta nova metodologia. Antes olhava-se o equipamento e o conteúdo local. A nova aplicação olha a estrutura do produto e toda a questão de competitividade baseada em inovação, em mão de obra qualificada…”, complementou o superintendente. Para Marco Borba, da Iveco, a hora é de repensar o País como um todo. “Vamos continuar como vínhamos ou inserir o Brasil em um contexto mais globalizado? Este é o grande desafio do momento”.
R7