A pandemia do novo coronavírus (covid-19) reduziu em 46,3% os diagnósticos de câncer colorretal no Brasil. Em paralelo, cerca de 62% das brasileiras adiaram os cuidados contra o câncer de mama. Além desses, diversos outros tipos de tumor deixaram de ser diagnosticados precocemente no último ano, fato que favoreceu o aumento da prevalência dos casos avançados de câncer no país. Uma das principais explicações para este crescimento é o medo da contaminação, responsável por afastar muitos pacientes dos consultórios médicos. Para reduzir este impacto, oncologistas sugerem que as pessoas se mantenham atentas aos sinais do corpo e prossigam com a rotina de prevenção, diagnóstico e tratamento, obviamente respeitando as diretrizes de distanciamento social.
Em 2020, ao menos 75 mil brasileiros deixaram de receber o diagnóstico de câncer, cerca de 70% das cirurgias oncológicas foram adiadas e 43% dos tratamentos oncológicos foram impactados. No ápice da segunda onda da pandemia, em curso, o impacto do atraso no diagnóstico tende a ampliar o risco de morte pela doença. Esta é a análise da oncologista Renata Cangussu, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica – regional Bahia (SBOC-BA) e membro do grupo “Mulheres na Oncologia”. Segundo ela, ao longo do ano passado, o número de pacientes com diversas patologias que deixaram de ser diagnosticados e tratadas adequadamente foi muito grande. “Doenças graves, como as cardiovasculares e o câncer, principais causas de morte no mundo, quando descobertas em estágio avançado, têm menor chance de cura”, lembrou.
Para a oncologista Samira Mascarenhas, o aprendizado da primeira onda precisa ser considerado. “Já conhecemos as consequências negativas do fato de muitas pessoas deixarem de procurar os serviços de saúde por medo. Agora, é preciso entender que a recomendação de evitar sair de casa é real e necessária, mas não pode ser universal. Assim como profissionais de serviços essenciais precisam sair para trabalhar, os pacientes com doenças graves ou sintomas suspeitos necessitam sair para dar continuidade ao seu tratamento. As medidas de segurança das unidades de saúde são indispensáveis, assim como as medidas de segurança pessoais, como o uso de máscara e higienização das mãos. Além disso, há de se considerar que boa parte dos serviços hoje disponibilizam a opção de teleconsulta para casos específicos”, frisou a especialista, também integrante do grupo “Mulheres na Oncologia.
Câncer colorretal – Recentemente, um grupo interdisciplinar de médicos e pesquisadores brasileiros apresentou o relato do impacto da pandemia na prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer colorretal, doença que representa 9% dos tumores malignos no país. No estudo, publicado na revista científica British Journal of Surgery, da Oxford Academic, os autores destacam que embora os diagnósticos de câncer colorretal (intestino grosso e reto) tenham reduzido quase pela metade, aumentou a proporção de pacientes com doença avançada.
Segundo o artigo, a diminuição dos diagnósticos pode ser explicada pelo medo das pessoas de se submeterem a uma investigação hospitalar durante a pandemia; pela dificuldade em realizar a colonoscopia num momento em que a prioridade das unidades de saúde é o combate ao coronavírus; pelo colapso dos sistemas de saúde, especialmente na saúde pública; e pelo aumento da proporção de pacientes sem cobertura por planos de saúde, reflexo da queda na renda familiar e barreiras para acessar o superlotado, porém, universal, sistema público brasileiro (SUS).
Câncer de mama – Outra pesquisa recente, intitulada “Câncer de mama: o cuidado com a saúde durante a quarentena”, elaborada pelo Ibope Inteligência, mostrou que 62% das mulheres esperam pelo fim da pandemia para retomar consultas médicas e exames de rotina necessários para a detecção do câncer de mama. Esse percentual é ainda mais alto entre as pacientes com mais de 60 anos, grupo que corre maior risco com a covid-19. Surpreendentemente, 73% das entrevistadas disseram que deixaram de consultar o médico ginecologista ou mastologista desde o início da pandemia. O Ibope entrevistou 1,4 mil mulheres com idades a partir dos 20 anos residentes no Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Porto Alegre e Recife para entender como elas estão cuidando da saúde durante a quarentena.
“Se esta pesquisa tivesse sido aplicada na Bahia, os resultados não seriam diferentes. Infelizmente, o câncer não faz quarentena e esses dados nos preocupam muito”, declarou a rádio-oncologista Elisângela Carvalho, integrante do trio de “Mulheres na Oncologia”. Se as mulheres continuarem adiando os cuidados, certamente haverá uma segunda onda de doenças sem diagnóstico precoce. A oncologista lembra que o câncer de mama é o tipo mais comum entre mulheres no Brasil e no mundo, representando mais de 30% dos tumores diagnosticados entre elas. A detecção da doença em estágios iniciais contribui para a redução do risco de metástases, quando o tumor se espalha para outros órgãos. “Os exames preventivos, inclusive entre as mulheres mais jovens, são muito importantes”, concluiu Elisângela Carvalho.