A Justiça cumpriu na manhã desta segunda-feira (16) a reintegração de posse da quadra 36 da Cracolândia, na região central de São Paulo. A área dará espaço para a construção do Hospital Pérola Byington, com foco de tratamento na saúde de mulheres.
Durante a semana passada (8 a 15 de abril), cerca de 150 famílias já tinham saído de seus imóveis. Hoje, durante a reintegração, haviam pelo menos mais 13 grupos a serem desalojados pelo governo do Estado. O processo de reintegração teve início em 2013 e só nesta segunda-feira foi cumprido junto com a Polícia Militar.
Comerciantes que possuem estabelecimentos na quadra 36 alegam que estão sendo postos na rua pelo Estado, uma vez que não possuem direito a receber nenhum auxílio, assim como os moradores dos imóveis recebem.
O governo informou, por meio da assessoria da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano) presente na reintegração, que as famílias desalojadas receberam um auxílio-aluguel no valor de R$ 1.200 no primeiro mês e, nos meses seguintes, R$ 400. O benefício será dado até que elas tenham um imóvel definitivo no programa habitacional do Estado, o qual não possui data para conclusão.
O comerciante José Antônio dos Santos, de 67 anos, é um dos desalojados. Natural de Macaúbas (BA), ele mora na capital paulista há 48 anos — há 20 morava na quadra 35, desapropriada ano passado pelo governo. Santos perdeu, na época, o imóvel e seus pertences, avaliados, segundo o próprio, em R$ 50 mil. “Agora de novo eles fazem reintegração e eu, como comerciante, vou perder tudo de novo. É triste, porque não tenho para onde ir”, disse. Ele conta que não dormiu durante a noite. “Não consegui fechar os olhos. Fiquei pensando no que eu vou fazer. E eu não consigo fazer nada, infelizmente”, justificou.
A representante de moradores da quadra 36, Renata Moura Soares, explica que muitas famílias ainda não receberam o auxílio e, portanto, não possuem lugar para morar. “É complicado, porque o governo diz uma coisa, mas a realidade é totalmente diferente”, diz.
A moradora tenta ser firme frente as negociações com o Estado, mas conta que está desolada, uma vez que possui nove filhos para criar. “Eu que cuido das minhas crianças, eu que dou comida para elas. O que eu vou fazer agora, sem casa, sem trabalho?”, indaga.
O drama de Santos e de Renata é também vivenciado por Cristina Fernandez, de 53 anos. Moradora do bairro de Santana, na zona norte, possui um comércio de sucata na quadra 36. Há 20 anos ela trabalha comprando objetos recolhidos por moradores de rua, principalmente da região, e diz estar indignada com a atenção que o governo dá aos moradores e comerciantes locais.
Em 2013, quando o assunto da reintegração foi discutido, Cristina entrou com uma ação do fundo do comércio para ser indenizada, uma vez que não possuía, aos olhos do governo, auxílio para receber como comerciante. “Já vai fazer cinco anos e não recebi um real. Não tem amparo, não tem cuidado, não tem nada”, disse.
O comerciante Porfirio Valente, de 89 anos, foi um dos desapropriados pelo governo nesta segunda. Morador da quadra 36 há pelo menos 45 anos, ele diz que tem que ter paciência. “Estou triste, muito triste, mas não tem o que fazer”, diz aos prantos.
Valente possui um comércio em uma quadra e, no imóvel a frente, é sua casa, agora desalojada e fechada por policiais militares. Foi notificado na semana passada da reintegração, mas não conseguiu juntar os pertences. “Agora vou dormir aqui no meu bar, que é o meu único cantinho”. Ele alega que ainda não recebeu o auxílio-moradia, nem tampouco foi cadastrado no sistema para recebê-lo.
Reintegração
Em março deste ano, a Justiça havia atendido ao recurso impetrado pelo Governo do Estado. No entanto, em abril, o órgão suspendeu a ação após uma liminar do MP (Ministério Público). O Estado recorreu e a Justiça determinou, novamente, a liberação da área.
A área (quadra 36) faz parte de uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social). Antes de fazer qualquer alteração, como a construção do hospital, por exemplo, é necessária a formação de um conselho gestor, formado por representantes da Prefeitura de São Paulo, Governo do Estado, moradores e pessoas ligadas a entidades sociais. Esse conselho, no entanto, apenas foi formado no último sábado (14), um dia após a determinação da Justiça de reintegração de posse.
O urbanista e pesquisador do Observatório de Remoções da USP (Universidade de São Paulo) Felipe Villela não se conforma com a forma que o governo lida com a reintegração. “O conselho foi formado só agora e não tinha um estudo sobre as famílias, para onde elas iriam, nada”, disse. Ele diz que ninguém é contra a construção de um hospital, no entanto, questiona: “é irônico ver que esse hospital, que será para mulheres, trata as mulheres dessa forma”.
Villela refere-se à babá autônoma Graziele de Jesus Silva, de 23 anos. Moradora da Ocupação Rio Branco, ela está grávida de cinco meses e teve que arrumar as roupas e organizar os poucos móveis que tinha e se mudar, rapidamente, para uma pensão. “Foi com muito esforço que consegui esse quarto, mas eu gostava da ocupação. Éramos uma família”, disse.
Graziele mudou-se, juntamente com o companheiro, para um quarto em uma pensão próxima ao local. “Agora quero tentar uma vida nova, por causa do bebê. Quero dar dignidade para ele ou ela”, sorri esperançosa.
Hospital
O coordenador das PPP’s do Estado, Ricardo Tardelli, esteve no local e em entrevista ao R7 comentou sobre a construção do novo hospital, que atualmente ocupa um prédio alugado. “O objetivo é contribuir com a reurbanização desse pedaço da cidade. O hospital irá movimentar em torno do local e 24 horas”, justifica.
Tardelli relata que o governo está cumprindo a legislação. “Estamos oferecendo auxílio-moradia provisório, por exemplo, para que estejam contemplados. Tenho certeza que essas famílias ficaram muito melhor no futuro do que estão hoje”.
A obra, que tem custo de R$ 294 milhões, deve durar 36 meses de construção. Segundo o coordenador, outras duas unidades também estão sendo construídas, em Sorocaba e São José dos Campos.
R7