Um projeto preliminar encomendado pela Prefeitura ao governo do Estado para revitalização de parte da antiga Cracolândia, no centro de São Paulo, gerou polêmica em reunião do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) no última dia 12 de junho, ao ser acusado por conselheiros de desrespeitar o tombamento histórico de imóveis no local, decidido em 2016.
O projeto — que e prevê a construção de quatro edifícios residenciais, uma UBS (Unidade Básica de Saúde) e um CEU (Centro Educacional Unificado) — seria uma extensão da proposta já em execução pela gestão estadual. Ele atinge o polígono formado pelas ruas Helvétia, Dino Bueno, Cleveland, Barão de Piracicaba e Glete e largo Coração de Jesus.
A área corresponde ao chamado ‘fluxo’, onde até 21 de maio se concentravam dependentes, moradores de rua e traficantes da antiga Cracolândia.
Marcos Penido, secretário municipal de Serviços e Obras, esteve na reunião do Conpresp para defender as ações realizadas na região e apresentar o projeto. Caso aprovada pela gestão do município, a proposta seria tocado pela PPP (Parceria Público Privada) feita entre a Secretário de Estado da Habitação e a contrutora Canopus, vencedora da licitação da parceria, realizada em 2014.
O fato de na região haver imóveis tombados chamou a atenção de conselheiros, já que a proposta apresentada por Penido leva em consideração as fachadas, mas não deixa claro se os interiores seriam também mantidos. A diretora do Conpresp, Mariana Rolim, disse acreditar ter havido uma confusão na concepção do projeto.
— Acredito que haja um entendimento equivocado, porque o Condephaat (órgão do patrimônio histórico do Estado de São Paulo) protege apenas as fachadas, mas a resolução do Conpresp tomba, além da fachada, a estrutura e volume dos edifícios, que não podem ser alterados.
Silvio Oksman, representante do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) no conselho, questionou o governo por elaborar um projeto, ainda que preliminar, que contradiz um regramento do município definido em 2016.
Ainda na reunião, Marcos Penido afirmou aos conselheiros que todas as ações respeitarão o tombamento dos imóveis na região, e ressaltou o caráter preliminar do projeto apresentado. Por meio de sua assessoria, a Secretaria de Serviços e Obras comeplementa que todas as exigências previstas pela legislação serão respeitadas, e que o projeto é uma parceria entre o governo do Estado e a prefeitura, que vai desapropriar áreas para permitir a ampliação da oferta de moradias pela PPP.
Afirma ainda a nota divulgada que esse conjunto de ações vai permitir que imóveis — inclusive os tombados pelos órgãos de preservação do patrimônio — deixem de ser deteriorados e ocupados por traficantes para exploração de dependentes químicos.
PPP do governo
A PPP firmada em 2015 entre a construtora Canopus e Companhia Paulista de Parcerias (pertencente ao governo estadual) para a reurbanização da região ao lado do contemplado pelo novo projeto inclui a construção de mais de 1.200 apartamentos residenciais para a Cracolândia, a maioria deles classificados como HIS (habitação de interesse social), reservado para famílias com renda entre um e cinco salários mínimos. Quinhentos apartamentos estarão reservados aos movimentos de luta por moradia.
O plano original, já aprovado pelo governo do Estado e órgãos de patrimônio histórico, contempla também a construção da escola de música Tom Jobim, uma creche e uma área comercial. Pelo projeto original, tudo será construído em terrenos da prefeitura cedidos à PPP e sem imóveis protegidos em sua área.
Licitado em 2014 e com contrato firmado em 2015, o projeto de R$ 1,3 bilhão prioriza que as moradias sejam concedidas a pessoas que trabalham no centro de São Paulo e morem em áreas mais afastadas.
Serão destinadas 80% das unidades para inscritos que moram fora da área central, mas que trabalham nesta região. As 20% das moradias restantes serão para interessados que moram e trabalham na região central.
“A construção de moradias é essencial para a recuperação da região. Com elas, vamos trazer de volta as pessoas para morarem e circularem pela região. Essa é a única forma de revitalizar plenamente áreas que estão degradadas”, diz o secretário Estadual da Habitação, Rodrigo Garcia.
Do valor total, R$ 919 milhões serão desembolsados pela construtora Canopus, que poderá explorar as áreas comerciais disponíveis no térreo dos prédios residenciais, enquanto o governo do Estado deve arcar com R$ 465 milhões ao longo de 20 anos. O prazo para entrega de todo o complexo de edifícios é dezembro de 2019.
As construções nas imediações da estação Julio Prestes é parte de um programa maior, que contempla toda a região da Luz, e que soma 1.642 habitações. Os interessados nos imóveis têm até 24 de julho deste ano para se inscrever no site da Secretaria Estadual da Habitação.
Questionamentos do TCE
O processo de licitação e contratação da parceria responsável pelo planejamento e execução das obras é também alvo de polêmica: o TCE (Tribunal de Contas do Estado) e o Ministério Público de Contas levantaram questionamentos.
As resistências à apresentação e condução do projeto de reurbanização começaram há mais de um ano. Em maio de 2016, Antônio Roque Citadini, conselheiro do TCE responsável pela relatoria da PPP, emitiu um despacho em que levantava dúvidas sobre a necessidade de uma Parceria Público Privada. O conselheiro indagaba se o projeto de reurbanização não poderia ser tocado pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano): “É certo que há uma notória dificuldade em justificar a Parceria Público Privada em questão”.
Após os questionamentos do conselheiro Roque Citadini, o MPC (Ministério Público de Contas), ligado ao TCE, observou problemas na licitação do projeto, publicada em 2014 como Concorrência Internacional 001/14. Segundo o MPC, a exigência feita para os pleiteantes à concorrência “revelou-se um fator de restritividade à ampla competição, visto que apenas uma empresa apresentou proposta. Portanto, possíveis interessados, com condições de suprir as exigências através de dois atestados ou mais, ficaram impedidos de participar do certame, em ofensa à legislação”. O conselheiro, então, emitiu despacho pedindo que o governo do Estado se explicasse.
A assessoria de imprensa do TCE afirmou que, após o último despacho do conselheiro Roque Citadini, de janeiro deste ano, o governo respondeu dentro do prazo de 30 dias. Esse esclarecimento está sendo analisado pelas quatro áreas técnicas do órgão, mas sem previsão de novo parecer.
Em nota, a Secretaria Estadual da Habitação defende que a PPP da Habitação oferece uma alternativa de financiamento da ação de política pública em um cenário de crise econômica nacional, com queda de arrecadação de imposto, pois o poder público só começa a pagar a partir das entregas das unidades e em longo prazo.
A nota afirma ainda que se trata de uma ação complementar às demais desenvolvidas por meio da CDHU e da Casa Paulista, e atende aos objetivos da revitalização na região, pois prevê manutenção predial — que inclui os elevadores — e apoio à gestão condominial durante os 20 anos de contrato, o que contribuirá para que, no decorrer dos anos, evite a degradação dos espaços.
A secretaria aponta que a PPP paulista é referência para o Brasil, uma vez que o Ministério das Cidades formou um grupo de trabalho para estudar a sua expansão para todo o país.
A Secretaria da Habitação diz ainda que respondeu a todos os questionamentos do TCE em 24 de fevereiro e aguarda a sua análise, e que não existe nenhuma decisão do Tribunal. Afirma também que a assessoria técnica do TCE manifestou que não houve restrição na licitação da PPP.
R7