Muitas mulheres se surpreenderam com um vídeo recebido pelo WhatsApp nos últimos dias em que uma mulher, sem se identificar, conta que soube, pelo médico Dráuzio Varella, que a incidência de câncer de tireoide pode ter aumentado devido à exposição a radiação em exames de mamografia e raios-X dentários. O uso do protetor de chumbo no pescoço evitaria esse risco, e ela se dizia indignada por ter tido que pedir o material em uma clínica.
O fato é que o médico nunca fez essa afirmação, conforme explicou nessa sexta-feira (7) à BBC Brasil. O que ele havia criticado, em seu site, é o fato de muitos ginecologistas pedirem ultrassom de tireoide desnecessariamente.
Uma mensagem desse tipo já havia circulado antes, o que fez o CBR (Colégio Brasileiro de Radiologia), a Sociedade Brasileira de Mastologia e a Associação Brasileira de Odontologia divulgarem pronunciamentos para esclarecer que o uso do protetor de tireoide não é obrigatório e que, em alguns casos, pode até prejudicar o diagnóstico, exigindo um novo exame e uma exposição adicional à radiação. Há até estudos científicos publicados sobre isso.
O CBR foi comunicado de vários locais em que os pacientes solicitaram o protetor, cuja existência nas clínicas é determinada pela Portaria 453, de 1998. Se o material é obrigatório, mas seu uso não é recomendado, não seria útil revisar a regulamentação?
“O protetor não é retirado porque está em conjunto com os demais protetores utilizados em casos especiais, como, por exemplo, quando há uma suspeita clínica em uma paciente gestante e é necessário realizar a mamografia nela”, explica Linei Urban, coordenadora da Comissão Nacional de Mamografia do CBR.”Entretanto,não há nenhuma situação específica em que seja obrigatório utilizar o protetor de tireoide.”
De acordo com a especialista, a paciente tem direito de solicitar o uso do protetor e, aí sim, os técnicos devem colocar, de preferência esclarecendo que há o risco de ter que repetir o exame. Ao contrário do que sugere a autora do vídeo que circula no WhatsApp e no Facebook, nenhum médico ou clínica lucraria ao não oferecer o colar, já que ele não é descartável.
Segundo Barriviera, o protetor de tireoide é usado, com maior frequência, nos exames radiográficos intraorais. “Nos exames radiográficos extraorais (radiografia panorâmica e tomografia computadorizada) não se utiliza o protetor de tireoide porque, na maioria dos pacientes, ele costuma interferir no diagnóstico porque pode se sobrepor a estruturas anatômicas ou patológicas de interesse“, diz.
Dr. Oz
Nos Estados Unidos, o Colégio Americano de Radiologia, bem como a Associação Dentária Americana, também já foram obrigadas a divulgar documentos com o mesmo tipo de posicionamento, depois de um episódio parecido com o que está acontecendo no Brasil. A diferença é que, naquele caso, o médico fonte da informação – o famoso apresentador de TV Mehmet Oz, ou “Dr. Oz” – realmente disse que as mamografias e raios-x dentários poderiam estar por trás do aumento no número de casos de câncer de tireoide.
Para os especialistas em radiologia, que estudam a fundo o impacto da radiação ionizante –como os raios X, ultravioleta e gama–, não há motivo para se preocupar.A exposição durante um exame de mamografia seria equivalente à meia hora embaixo do sol. No caso do raio-X odontológico, equivaleria a um dia de exposição à chamada radiação de fundo, que é natural do meio ambiente.
“Para efeito de comparação, uma viagem de avião de Londres para Los Angeles equivale a dez radiografias odontológicas“, compara Barriviera.
De qualquer forma, é bom saber que a tireoide é uma glândula bastante sensível aos efeitos da radiação – algo que ficou claro após às explosões atômicas no Japão e em Chernobyl. As crianças são as mais vulneráveis, como alerta documento da Associação Americana de Tireoide sobre a polêmica toda. Pacientes submetidos à radioterapia também precisam ser monitorados.
Um estudo publicado em 2012 na revista científica Cancer, pela pesquisadora Elizabeth Clauss, ainda alertou para o risco de meningioma (um tipo comum de tumor no cérebro) associado à exposição a radiografias odontológicas numa época em que os equipamentos, menos avançados que hoje, emitiam bem mais radiação.
As sociedades lembram que exames desnecessários devem ser evitados, especialmente em crianças. Mas não há motivo para culpar o raio-X e a mamografia por um eventual câncer de tireoide.
uol