No verão de 2016, pouco antes do Carnaval, a psicóloga Olivia Bustani, 61, se preparava para um fim de semana na praia quando um de seus três filhos lhe contou que era gay. Passados quatro anos, ela resolveu “transformar dores e conquistas vividas a partir dessa descoberta” em um trabalho de “acolhimento, escuta, troca e aprofundamento de experiências”. Assim surge o Filhos fora da caixa, pais fora do armário, projeto inédito, que segundo ela, “vem do desejo de estender essa experiência a outras mães e pais, que estão em busca de apoio, possivelmente ainda impactados com a dor provocada por essa descoberta, pela falta de conhecimento, pelo preconceito e solitários em seu sofrimento”.
O projeto consiste em um grupo para reflexões e partilha, um espaço de fala e de escuta que tem como objetivos propiciar conhecimento e desenvolvimento de um novo olhar com relação às questões que envolvem seus filhos, trocar experiências, aprofundar assuntos e avançar junto com outras mães e pais, transformando essa travessia em um processo mais leve. “O título faz uma alusão à saída dos filhos da ‘caixinha da heteronormatividade’ e é um convite às mães e pais para acompanharem seus filhos, porque há uma tendência a entrarem no armário, em um primeiro momento, logo após a saída deles”, comenta.
O primeiro de nove encontros acontece dia 29 de outubro e tem vagas abertas para mães e pais que desejem transformar dor, dúvidas e temores em acolhimento, compreensão e amor. Para mais informações, basta entrar em contato através do WhatsApp (71) 99979-5979, Instagram @oliviabustani ou e-mail [email protected].
Além de sua experiência enquanto mãe de um homem gay, Olivia é psicóloga há cerca de 35 anos e acumula experiência de gestora na área de recursos humanos, prioritariamente no segmento da saúde, condução de treinamentos e desenvolvimento de equipes, mediação de conflitos, coordenação de grupos de crescimento e como docente, em universidade pública e privada. A profissional quer unir o conhecimento adquirido ao longo dos anos de trabalho à vivência dentro de sua família.
Para isso, lançará mão de atividades durante os encontros com temas e exercícios previstos, contemplando também emergentes e demandas surgidas ao longo do trabalho. Os encontros serão virtuais em função do atual contexto, o que favorece a participação de pessoas de outras cidades. Está previsto também um encontro individual, além dos 9 em grupo.
Este é o segundo grupo do Filhos fora da caixa, pais fora do armário que Olivia oferece. No primeiro, Olívia reuniu apenas mães por acreditar que, “em geral, é quem primeiro sabe, quem dá o tom e quem geralmente media esse processo na família”. No entanto, ela acrescenta que “não se pode considerar essa uma regra e que há pais que também se sentem perdidos, confusos e que demandam ajuda para compreender e lidar com a nova situação”. Por isso a inclusão da participação deles a partir deste segundo grupo. A ideia é ampliar também para os filhos e futuramente “levar esse assunto para dentro das escolas”, aponta.
Com o caminho percorrido até aqui com o primeiro grupo, ainda em andamento, ela afirma sentir-se gratificada com a evolução e aprendizado adquiridos. “Além das conquistas que vão se dando gradualmente e no ritmo possível de cada uma, os retornos confirmam essa percepção”, conta Olivia. Em relatos das mães participantes, ela encontra concordância com essa ideia. “Participar do primeiro grupo que quer compreender o que é ser mãe de um filho LGBT está me deixando muito feliz. A cada encontro as dúvidas, os medos e até a solidão estão ficando pra trás”, escreve uma das integrantes.
“É preciso tirar das mães e dos pais o peso da culpa e da vergonha, ajudá-los a entender e encarar com naturalidade, que nossos filhos têm o direito de existir na sua integralidade, de serem amados e aceitos como são e que para isso precisam de nosso apoio”, afirma. Ela ainda conta que entender essa condição é uma forma de mães e pais estarem mais próximos e mais confortáveis ao lado de seus filhos.
A psicóloga pontua que sente-se feliz com a possibilidade de sua história poder facilitar o processo vivido por outras famílias. “Quero compartilhar essa experiência por tê-la vivido na pele, e convocar outras mães e pais a ampliarem seu olhar e, empaticamente, afirmar que é possível ressignificarem sentimentos e valores e seguirem mais confiantes”, conta.
Olívia diz que, mesmo ainda tendo muito a aprender, reconhece que já percorreu um caminho. “Posso afirmar que hoje me sinto uma pessoa melhor, mais próxima e muito orgulhosa do meu filho. O aprendizado adquirido a partir dos nossos diálogos e o amor foram fundamentais para eu chegar até aqui. E tão gratificante quanto, é perceber que o aprendizado só tem aumentado, a partir desse novo trabalho”, finaliza.