O presidente Jair Bolsonaro, que criticou por pelo menos duas vezes nesta semana a tipificação do trabalho escravo no país, votou a favor da emenda constitucional que introduziu a possibilidade de confisco de propriedade quando constatada prática de trabalho escravo no local.
Ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã de quarta-feira (31), por exemplo, o presidente disse ser contrário a punições como a de tirar a propriedade de quem cometeu o crime. “Quem pratica trabalho escravo tem que ter uma punição. Agora, por outro lado, vamos supor que o cara estava acorrentado lá, era o trabalho escravo, você tem que punir o Seu João, com 80 anos de idade. Ao você expropriar, você puniu a Dona Maria, que estava há 60 anos trabalhando com ele na fazenda, os filhos, que estavam há 40 anos trabalhando, os netos, que estavam há 20 anos trabalhando. Você pune todo mundo. A punição tem que atingir você, não todo mundo”, disse.
A crítica do presidente se refere à EC 81 (emenda constitucional 81). Ela determina a expropriação, para efeito de reforma agrária e sem indenização, de propriedades onde foram identificadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas e exploração de trabalho escravo.
O programa de governo de Bolsonaro, apresentado durante a campanha, já questionava essa emenda na seção de propostas dedicadas à segurança e combate à corrupção. Previa o texto do programa do então candidato: “Retirar da Constituição qualquer relativização da propriedade privada, como exemplo nas restrições da EC/81 [emenda constitucional 81]”.
Quando deputado, contudo, o presidente votou a favor da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) no primeiro turno, em agosto de 2004, que levou a EC 81. Bolsonaro não votou quando a proposta foi a plenário em segundo turno, em 2012.
Na terça, em cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente disse ser contrário também a regras que caracterizam trabalho análogo à escravidão e disse que seu governo discute mudanças na legislação atual. Posteriormente, afirmou que o tema seria tratado por meio de uma PEC, sem dizer que mudanças seriam feitas.
“Aquele que pratica trabalho escravo, a pena é expropriação do imóvel. Pô, ninguém é favorável ao trabalho escravo, mas prezado Ives Gandra [ministro do TST], alguns colegas de vossa excelência entendem que o trabalho análogo à escravidão também é escravo e pau nele”, afirmou na terça.
Para Bolsonaro, é “muito tênue” a linha entre trabalho escravo e trabalho análogo à escravidão e que é necessário dar essa garantir ao empregador. A Câmara Criminal do Ministério Público Federal, porém, diz que “não há pedidos expropriação de propriedades porque a PEC (…) nunca foi regulamentada. A PEC não tem aplicação.” Para a Procuradoria, a desapropriação por trabalho escravo depende de regulamentação legal, que não foi aprovada pelo Congresso.
“O artigo que trata desse tema é o 243, que antes só previa a expropriação de terras sem indenização em caso de plantio de plantas psicotrópicas, como forma de combate às drogas”, diz André Gondinho, sócio do escritório Siqueira Castro. “As sanções por submeter trabalhador a situação análoga à escravidão costumam ser no âmbito criminal e trabalhista, mas raramente se toca na possibilidade de expropriação”, afirma.
“Não encontrei nenhum caso em que essa a expropriação tenha sido determinada pelo poder Judiciário como punição à prática de trabalho escravo ou análogo à escravidão.
Esse dispositivo ainda depende de regulamentação”, diz Henrique Melo, sócio do escritório NHMF. Para ambos, as situações de trabalho análogo à escravidão já estão tipificadas na legislação atual. “O código penal trata do tema em três artigos. É uma soma de condições que nos dão a possibilidade de afirmar que um trabalhador está submetido a essa condição”, afirma Gondinho.
Bahia Notícias