Enquanto os clubes brasileiros voltarão a ter suas dívidas com a União cobradas, associações de atletas profissionais vão em busca de renda para se manterem a partir de agora. No mesmo dia em que Jair Bolsonaro (sem partido) vetou o congelamento das parcelas do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), o presidente também revogou o artigo 57 da Lei Pelé, que repassava arrecadações do esporte para a Federação das Associações de Atletas Profissionais (Faap) e para a Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf)
Na Bahia, a Associação de Garantia ao Atleta Profissional (Agap-Ba) recebia, conforme a Lei nº 12.395, de 2011, os valores referentes a 0,5% do salário dos atletas associados, de acordo com contrato assinado, além de 0,8% referente a transferências nacionais e internacionais entre clubes. As porcentagens eram utilizadas pela associação para oferecer benefícios aos próprios profissionais vinculados. O artigo 57 da Lei Pelé, ou Lei 9.615/1998, era responsável por garantir os pagamentos para as entidades de apoio aos atletas.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Osni Lopes, ex-jogador e presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais da Bahia (Sindap-Ba), opinou sobre as alterações anunciadas pelo presidente do país, criticando os clubes pelas suas desorganizações financeiras e consequentes dívidas e problemas.
“O que os clubes tinham que fazer eles não fazem, que é pagar dívida que eles contraíram. O que me revolta nisso tudo é que o benefício que tinha aos jogadores iniciantes e aos ex-atletas será perdido e isso é uma vergonha”, posicionou Osni Lopes.
“Os clubes não querem recolher o que têm que recolher para a Faap, que todo jogador que é inscrito tem que pagar uma taxa, que quando o jogador é demitido tem que pagar uma taxa, quando é negociado tem que pagar uma taxa. Os clubes não querem pagar, então isso só beneficia a eles”, completou o presidente do Sindap.
Com os recursos repassados da Faap para a Agap-Ba, assim como para as associações de outros estados brasileiros, benefícios como bolsas de estudos, auxílio de saúde e vínculo previdenciários eram garantidos para profissionais e ex-atletas associados. Os principais grupos que eram assistidos pela entidade eram jovens de categorias de base e jogadores que já encerraram suas carreiras e passam necessidade.
“A gente estava, na verdade, com a esperança de que fosse tomada uma outra posição. Mas, infelizmente, o impacto vai ser grande”, declarou Joseemison dos Santos, presidente da Agap-Ba, ao Bahia Notícias.
“Em detalhes, a gente não sabe como será a partir de agora. A gente ainda está aguardando uma posição da Faap. (…) A gente lamenta, mas a Agap está buscando uma alternativa para ver como vamos fazer para dar continuidade”, explicou.
Joseemison ainda ressaltou que, atualmente, 70% do grupo atendido pela entidade são de ex-jogadores que passam por dificuldades financeiras e que estão em busca de uma nova atuação profissional. Com isso, a Agap-Ba oferece uma ajuda de custo nas mensalidades universitárias dos associados, proveniente da arrecadação que era feita com base no repasse da Faap. Outros casos de maior gasto para a associação são dos ex-atletas que precisam de constantes gastos com a saúde.
“Por exemplo, o caso de Maílson, nós ajudamos com cuidadora, auxílio-alimentação e remédios. É um auxílio de quase R$ 3.000, apesar de ser um caso excepcional”, apontou o presidente da associação sobre o do ex-jogador de 52 anos, ídolo do Bahia dos anos 1990, que foi diagnosticado em 2010 com Esclerose Lateral Amiotrófica (Ela), doença que limita o movimento dos membros superiores e inferiores, além da fala. “Era uma ajuda que a gente nem tem como colocar do quanto era importante para os atletas e para os associados”, lamentou Joseemison.
Osni Lopes também ressaltou a importância que o repasse dos valores tinha para as instituições e voltou a reforçar que os clubes deveriam ter mais comprometimento com suas responsabilidades financeiras perante os seus profissionais.
“Tem gente que depende tanto desse benefício que se não tiver ele vai ser enterrado como indigente quando morrer”, alertou o presidente do Sindap-Ba. “O trabalhador, o empresário, o lojista, todos continuam pagando seus impostos, taxas e suas dívidas, que não param de chegar. Por que com futebol tem que ser diferente?”, completou.
A revogação do artigo 57 da Lei Pelé, que garantia os repasses às associações de apoio aos atletas, já estava tramitando na Câmara dos Deputados desde abril de 2020. O projeto de lei 1013/2020 era de responsabilidade de Marcelo Aro (PP-MG), diretor de Relações Institucionais da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
QUEM PAGA A DÍVIDA?
O futebol brasileiro movimenta milhões de reais para os clubes, mas vários deles possuem dívidas exorbitantes com a União, parceladas pelo Profut, criado através da Lei 13.155/2015. Com a pandemia e suspensão dos campeonatos, o Ministério da Economia postergou em cinco meses o vencimento de cada parcela entre maio e julho de 2020 e, em dezembro do ano passado, autorizou o congelamento das dívidas, medida vetada pelo presidente Jair Bolsonaro na última segunda-feira (11).
Além dos pagamentos em aberto com o governo brasileiro, várias agremiações estão envolvidas em diversos processos trabalhistas e deixam de lado pagamentos e auxílios que poderiam ajudar a manter os recursos da Faap e Fenapaf.
Para Osni Lopes, o problema está na falta de organização financeira das agremiações brasileiras, interessadas em atletas caros e sem planejamento para quitação de despesas.
“O que tem que acontecer no futebol é uma reviravolta. É, por exemplo, parar de comprar jogadores exorbitantes sem que o clube possa arcar. Concordo que jogador tem que ganhar muito, mas tem jogador que está ganhando demais e sem que o clube possa pagar por ele”, pontuou.
“Os gestores vêm para cá contratando vários jogadores caros, depois enchem a agremiação de dívidas e querem congelar o Profut. Tem que pagar! Qualquer que seja a dívida ou comprometimento, tem que pagar”, protestou o presidente do sindicato.
Considerando esse cenário como uma supervalorização do futebol nacional, Osni ainda acrescenta que os clubes precisam aprender a se organizar para não continuar comprometendo a si e aos atletas. “O que falta nos clubes é organização, investimento na base, não comprometer mais dinheiro do que vai arrecadar. É preciso planejamento e responsabilidade”, finalizou.
Bahia Notícias