A redução da oferta de vagas de emprego e trabalho no Brasil tem gerado um movimento de saída de imigrantes e refugiados do país, segundo organizações que prestam apoio a esse público. “A dificuldade ou impossibilidade de conseguir emprego traz consequências muito sérias para os refugiados, [pois] a crise econômica afeta a permanência e sobrevivência das famílias”, afirmou Rosita Milesi, diretora do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH).
“Hoje vemos uma migração de saída daqueles que chegaram ao país em 2009, 2010, no boom da construção civil e dos grandes eventos, seja Copa do Mundo, seja Olimpíada. Tinha muito emprego, o Brasil vivia num auge econômico. Com a diminuição da atividade econômica, houve desemprego, o próprio brasileiro está desempregado e o refugiado também está”, explicou Gustavo Sampaio, presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare).
Apesar da Polícia Federal ainda não ter divulgado o balanço da entrada de haitianos no Brasil em 2016, há uma clara percepção de que a crise impactou este grupo, que continua vindo para o país, mas em volume menor. “Também há um processo de saída deles do país, porque quando não conseguem emprego, não conseguem sobreviver. Não há uma estatística fechada, mas a gente nota que tanto imigrantes quanto refugiados haitianos estão saindo para buscar oportunidades em outros países”, disse Rosita Milesi, do IMDH.
Ainda não é possível mensurar de forma exata o número de imigrantes que deixaram o país por causa da crise. Mas, segundo dados preliminares do relatório do Ministério do Trabalho e Emprego feito em parceria com o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), a ser divulgado na quinta-feira (7), desde outubro de 2015 ocorrem mais demissões do que admissões de imigrantes.
“Pela primeira vez depois de muitos anos passa a haver uma maior saída no mercado de trabalho brasileiro do que entrada. Isso tem impactado os imigrantes de uma maneira geral, independente de nacionalidade. Porém, em alguns casos, como no dos haitianos, tem havido uma maior saída do mercado de trabalho e certamente isso tem impacto na decisão deles em buscar trabalho em outros países, afirmou Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração (Cnig).
Ele ressaltou que o impacto da crise sobre os imigrantes no Brasil foi tardio em relação aos brasileiros. “Enquanto no início de 2015 os dados já mostravam uma redução no número de vagas para brasileiros, para imigrantes isso só acontece a partir do final de 2015, porque eles ocupam espaços específicos do mercado de trabalho que demoraram mais a serem impactados pela crise. Mas, ao longo dos meses, essa tendência (de dispensas) tem caído. Então, é possível que haja uma estabilização, e quem sabe, uma reversão de expectativas em relação aos imigrantes”, disse.
Os haitianos tem buscado oportunidades em diferentes países, como Chile e Estados Unidos. Mas, a saída deles do Brasil não leva à perda do seu visto de permanência. Desde o terremoto que atingiu o Haiti em 2010, o Brasil recebeu aproximadamente 90 mil haitianos. Hoje o país tem mais de 33 mil haitianos empregados formalmente, o que dá pouco mais de 20% dos cerca de 130 mil imigrantes empregados no país, que representam 0,5% do total da força de trabalho no Brasil.
Mais difícil
Os imigrantes que perdem emprego e ficam no país passam a depender da ajuda de organizações voluntárias ou buscam alternativas, como montar o próprio negócio. É o caso da refugiada colombiana Matilde Alvarez, que está há pouco mais de dois anos em Brasília, com o marido e um filho, depois de receber ameaças no país de origem. No Brasil, nunca conseguiram emprego fixo, mas trabalhavam de modo autônomo, ele como pedreiro e ela como costureira. Mas, com a crise, as ofertas de trabalho para o marido sofreram forte redução. “Este ano está mais difícil”, disse Matilde.
“O migrante ou refugiado não deseja ser mantido ou ser sustentado, ele deseja espaço para encontrar o próprio sustento e contribuir para o país. Então, esse momento é crítico, é tenso, e é por isso que estamos debatendo com autoridades pra ver como a gente pode melhorar ou suavizar os efeitos dessa crise na vida dos imigrantes e refugiados, afirma Rosita Milesi, diretora do IMDH.
Quem conseguiu manter o emprego, muitas vezes teve que se conformar com trabalhos menos qualificados. Como o refugiado sírio Ahmad Al Hraki, 28 anos, que está no Brasil há dois anos. Formado em engenharia elétrica na Síria, hoje ele trabalha como técnico de manutenção de veículos, com uma renda de pouco mais de mil reais, com a qual sustenta a esposa e a filha de dois meses.
“Eu acho que posso arrumar emprego melhor. Sou formado em engenharia e falo quatro línguas. Conheço refugiados que tem qualificação e trabalham como lavador de pratos ou atendente de restaurante e auxiliar de cozinha. Poderiam dar mais oportunidades para refugiados qualificados. Acho que podemos contribuir mais para o mercado de trabalho brasileiro”, sugeriu.
Rede Solidária
Ahmad é um dos refugiados que compartilharam sua história no XII Encontro Nacional da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados (RedeMir), organizado pelo IMDH, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e outros parceiros. A RedeMir trabalha em conjunto pelo acolhimento, assistência e integração de imigrantes e refugiados, além de atuar na articulação com o governo por políticas públicas voltadas para esse público.
Desde ontem (5), representantes de mais de 50 entidades, órgãos do governo e organismos internacionais debatem em Brasília os desafios de proteção aos direitos dos migrantes e refugiados.
O Encontro também debateu sobre a Lei de Migrações, em tramitação no Congresso Nacional. Se aprovada, a lei deve substituir o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, e trazer mudanças significativas como a simplificação do processo de ingresso de imigrantes ao país e a ampliação para outras nacionalidades das possibilidades de concessão do visto humanitário como o que é concedido atualmente para haitianos e sírios.
“Essa lei vai facilitar a entrada de imigrantes e regulamentar a sua residência no território brasileiro. Isso vai permitir uma imigração mais ordenada, mais humanizada e que ao mesmo tempo vai ter um impacto na instituição do refúgio, porque aquele imigrante que hoje não tem outra opção pra se regularizar no país, pede refúgio. Então, vai aliviar a pressão e o número de pedidos que se fazem de refúgio”, avalia Isabel Marquez, representante do Acnur.
Para pressionar o Congresso, os representantes do Encontro elaboraram uma carta direcionada ao presidente da Câmara dos Deputados pedindo celeridade na aprovação do projeto. Os debates da RedeMir seguem até amanhã (7).
Agência Brasil