Moradores do entorno de uma barragem em Itatiaiuçu (MG) decidiram se mobilizar e divulgaram um documento com 12 reivindicações, um ano e dez meses após terem sido retirados de suas casas. Eles reclamam da demora na aprovação de um plano de reparação integral e da matriz de danos, bem como denunciam falta de manutenção adequada nos imóveis abandonados e o não reconhecimento da perda de renda dos comerciantes. Com o objetivo de chamar atenção para os problemas, uma carreata já está convocada para a manhã do próximo sábado (12).
A barragem integra a Mina Serra Azul, da mineradora ArcelorMittal. A evacuação em seus arredores foi um dos desdobramentos da tragédia de Brumadinho (MG), ocorrida em 25 de janeiro do ano passado, quando o rompimento de uma estrutura da Vale deixou mais de 250 mortos.
Após o episódio, um pente-fino nas barragens de diversas mineradoras foi realizado por meio de vistorias da Agência Nacional de Mineração (ANM) e de ações de fiscalização do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Como resultado, dezenas de barragens foram consideradas inseguras e ficaram impedidas de operar. As evacuações foram determinadas para os casos mais preocupantes.
As remoções em Itatiaiuçu começaram em 8 de fevereiro do ano passado, afetando cerca de 200 moradores. Posteriormente, outras pessoas foram notificadas para abandonarem suas residências. Quatro comunidades foram afetadas parcialmente: Vieiras, Lagoa das Flores, Pinheiros e Retiro Colonial.
De acordo com a Comissão de Atingidos, atualmente estão fora de suas casas 199 famílias, que englobam 776 pessoas. Ao todo, contabiliza 2.279 atingidos. Esse número leva em conta os 1.503 moradores que não chegaram a ser removidos, mas que teriam sofrido impactos por morarem próximos à área evacuada. Mas nesse segundo grupo, nem todos foram reconhecidos pela mineradora. E até o momento, nenhum dos atingidos recebeu indenização até o momento. Mas nesse segundo grupo, nem todos teriam sido reconhecidos como atingidos. A mineradora, por sua vez, tem números diferentes. Ela informa que 84 famílias foram realocadas.
Segundo a Comissão de Atingidos, a ArcelorMittal recusou uma proposta de antecipação de alguns valores. A ideia era adiantar uma parcela que pudesse ser posteriormente descontada no cálculo final das indenizações. Estas antecipações, segundo a mineradora, ocorreram para alguns grupos: atingidos removidos, aqueles que comprovaram perda de renda e moradores da comunidade de Lagoa das Flores.
“Estamos brigando para que todos possam ter novamente uma qualidade de vida digna, como tínhamos antes”, diz a micro-empreendedora Patrícia Odione, integrante da Comissão de Atingidos. Ela explica que os atingidos aguardam pelo plano de reparação integral e pela matriz de danos, na qual ficará definida a valoração de cada prejuízo causado e assim se poderá calcular o valor das indenizações.
Os moradores já apresentaram sua proposta de matriz de danos à mineradora, ao MPF e ao MPMG, elaborada com o apoio da Associação Estadual de Defesa Social e Ambiental (Aedas), entidade escolhida pelos próprios atingidos para prestar assessoria técnica. Ainda não houve retorno.
A ArcelorMittal informou em nota ter recebido a proposta na última semana e disse que todas as negociações estão seguindo o cronograma estabelecido conjuntamente com a Comissão de Atingidos, o MPF e o MPMG. “A empresa continua aberta ao diálogo e está comprometida com a construção conjunta de soluções definitivas”, diz a nota.
Uma reivindicação que tem gerado controvérsia é o reconhecimento da desvalorização dos imóveis da área evacuada. Até o momento, não houve acordo para tratar dessa questão na matriz de danos. “Com toda essa situação, algumas pessoas que puderam permanecer nas comunidades têm vontade de se mudar, mas para isso precisam vender suas casas. E ficou impossível. Quem quer morar perto de uma barragem?”, questiona Patrícia.
O engenheiro civil Márcio Piedade, também integrante da Comissão de Atingidos, diz que os moradores também já se antecipam a futuros percalços que deverão surgir no processo indenizatório. Por essa razão, a mobilização também cobra garantias em relação à continuidade do trabalho da Aedas. Eles temem que a ArcelorMittal crie dificuldades, já que cabe à mineradora arcar com os custos da contratação da assessoria técnica escolhida pelos atingidos.
“Entendemos que a Aedas precisará realizar ainda dois trabalhos fundamentais. O primeiro é a produção de provas. Sabemos que lá na frente quando eu disser que tive um dano, eles vão querer que eu prove esse dano. E esse levantamento deve ser feito pela equipe montada pela assessoria técnica. Além disso, na negociação com a empresa, também será importante que possamos contar com suporte jurídico. Precisamos de advogados nos acompanhando, porque a maioria das pessoas não têm entendimento jurídico”, diz Márcio.
Auxílio mensal
Por ora, os atingidos estão recebendo um auxílio emergencial mensal, acordado poucas semanas após as primeiras remoções em um Termo de Acordo Preliminar (TAP) firmado entre o MPF, o MPMG e a mineradora. Esse repasse, que não poderá ser descontado das indenizações, seria pago inicialmente pelo período de um ano. Seu valor é de um salário mínimo para cada pessoa que tenha perdido sua renda em decorrência do deslocamento, acrescido de 20% por residente do mesmo endereço, incluindo crianças, adolescentes e idosos, até o limite de 2,5 salários mínimos. Além disso, ficou acertada a entrega de uma cesta básica por família.
No início de 2020, em novas negociações, esses benefícios foram assegurados por mais um ano. No novo acordo, o repasse do auxílio mensal também foi estendido para pessoas que não precisaram deixar suas casas, mas que perderam sua fonte de renda em decorrência da situação. Havia moradores que tiveram impactos, por exemplo, na produção agrícola. Outros ficaram desempregados, já que os postos de trabalho nas comunidades se reduziram após as evacuações.
De acordo com a ArcelorMittal, todos os compromissos assumidos estão sendo cumpridos. Segundo a mineradora, 192 famílias são atendidas pelo auxílio emergencial. Os atingidos afirmam haver um impasse em relação aos comerciantes. “Houve a interdição de áreas onde só é possível passar com a chancela da mineradora. Então a movimentação das pessoas está restrita. E, consequentemente, o comércio foi afetado. Existem muitos sítios na região. Era um lugar bastante frequentado aos finais de semana e hoje não se vê quase ninguém nas ruas”, diz Márcio.
Segundo ele, a mineradora aceitou, recentemente, fazer alguns repasses financeiros, mas nem todos os comerciantes foram beneficiados. “A ArcelorMittal fez esse pagamento alegando ser uma doação. E nós entendemos que não se trata de doação, mas de um direito. É fácil comprovar essa perda de renda que os comerciantes tiveram”, acrescenta.
Retorno imprevisto
Não há previsão para que os atingidos retornem às suas residências, o que só poderá ocorrer quando as avaliações atestarem a segurança da barragem. A estrutura se encontra no nível de emergência 2, numa escala que vai até 3. O acordo firmado com o MPF e com o MPMG no início deste ano também estabeleceu as ações que a ArcelorMittal deveria executar visando a retomada da segurança.
A mineradora afirma que irá construir até setembro de 2021 um muro de contenção que será capaz de bloquear a passagem da onda de rejeitos em um eventual rompimento. “Essa estrutura permitirá o início do descomissionamento da barragem, que é a retirada de todo o material contido dentro da estrutura e seu desmonte”, explica a ArcelorMittal.
Com o futuro indefinido, os removidos vivem atualmente em imóveis alugados pela mineradora. Há, por parte deles, uma preocupação com o estado das casas na área evacuada. “Tem a deterioração pelo tempo e também a ação de vândalos. Na casa do meu sogro, por exemplo, teve furto. E a gente não tem nem como ir lá para relacionar as perdas. Na última vez que consegui ir lá, o mato estava alto, sem condições adequadas até para acesso. Essa falta de cuidado e de zelo com os imóveis é uma reclamação geral. Alguém precisa se responsabilizar por esta manutenção”, reclama Márcio.
Quem pôde continuar na comunidade também tem queixas, como a insuficiência do serviço de transporte, que deveria ser garantido pela mineradora para minimizar o impacto decorrente das rotas interditadas. Na comunidade de Vieiras, os atingidos cobram ainda a ativação da antena de internet, que foi negociada como medida compensatória diante do isolamento vivido pelos moradores após a evacuação. O acordo estabelecia um prazo até o dia 15 de novembro. O equipamento foi instalado pela mineradora, mas ainda não entrou em operação. O equipamento foi instalado pela mineradora, mas ainda teria entrado em operação. A Arcellor Mittal nega o problema e diz que ela está em funcionamento desde 27 de novembro.
Agência Brasil