Entre agosto de 2016 e dezembro de 2017, a premiada fotógrafa brasileira Marizilda Cruppe conviveu com 16 famílias que compartilhavam entre si a mãe de todas as dores: a devastadora angústia de ter um ente querido desaparecido, sem deixar rastros, sinais, notícias e muitas vezes, sem ter um motivo aparente para evaporar de suas vidas. “É uma realidade atordoante. Não existe o luto, nem despedida”, diz Marizilda, fotojornalista acostumada a registrar temas humanitários.
Na conversa com as famílias – os depoimentos que compõem a exposição foram colhidos juntos com a sessão de fotos – notou que elas se preocupam muito em cuidar da saúde para estarem bem quando seus desaparecidos baterem na porta. Ao mesmo tempo, diz ela, essas pessoas sentem culpa em atitudes corriqueiras, como quando comem algo saboroso ou deixam escapar uma risada. Um levantamento realizado pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) apontou no ano de 2017, 82.684 casos de desaparecimentos reportados às polícias civis no Brasil.
Os retratos em preto e branco e coloridos de Marizilda Cruppe serão projetadas no Museu de Imagem de Som, na zona oeste de São Paulo, acompanhadas do depoimento dos familiares e exibidos num processo de projeção conhecido como videomaping que possibilita que o visitante penetre nas histórias de perdas e se veja cercado por imagens quase sempre desconcertantes. Ao todo serão usados seis projetores. “É como se as pessoas estivessem presa numa janela de tempo em que todo dia é o mesmo dia, quando a pessoa desapareceu”, diz Marizilda.
– Foi uma construção conjunta com as famílias. Utilizamos uma linguagem que fosse confortável para elas, uma luz natural que não provocasse uma mudança no ambiente que elas estavam acostumadas. Tentamos causar o menor impacto, evitamos muitos equipamentos. O principal era conectar com as histórias, ouvir o que elas tinham para dizer.
A exposição, batizada de A falta que você faz, é organizada pelo CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), que desde 2013 se debruça mundialmente neste problema com diz a mexicana Marianne Pecassou, coordenadora de proteção do Comitê Internacional da Cruz Vermelha Internacional.
– Começamos com um trabalho voltado para familiares de desaparecidos do regime militar e fomos ampliando para familiares de desaparecidos em outras circunstâncias. Em geral o que se observa no Brasil são essas famílias muito isoladas, com suas necessidades pouco atentidas. Há uma certa invisibilidade em torno delas, elas não são ouvidas. Há uma dificuldade de coordenação das instituições. Elas querem saber o que aconteceu e não recebem respostas. É um problema que atinge todos os extratos sociais mas é óbvio que há mais fraquezas em determinados tecidos sociais, com pessoas que moram em bairros de situação de violência.
Com a dificuldade na coordenação do trabalho de buscas, Marianne, através da Cruz Vermelha Internacional, recomenda a criação de uma Lei Geral de Pessoas Desaparecidas.
– Não há uma definição jurídica do que seja uma pessoa desaparecida. O Congresso tem projetos de lei dispersos, podem ser excelentes iniciativas mas precisam ser agregadas.
“A falta que você faz”, fotografias de Marizilda Cruppe, vídeos da Realejo Filmes e videomapping de Rogério Costa.
De 12 a 30 de setembro de 2018, no Museu da Imagem e do Som – MIS, Avenida Europa, 158 – Jardim Europa – São Paulo, (11) 2117 4777, de terça a sábado, das 10 às 20 horas; domingos e feriados, das 9 às 18 horas. Entrada gratuita.
R7