Projeto Revitalizar, da prefeitura de Salvador, pretende conceder descontos em tributos, como o imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), a moradores e donos de empresas que realizarem reformas em imóveis no Centro Antigo de Salvador. O objetivo do projeto, segundo a prefeitura, é estimular a habitação e a implantação de empresas na região.
A área corresponde a uma região de proteção cultural e paisagística, estabelecida pela Lei 3.289, de 21 de setembro de 1983, além do conjunto arquitetônico da Cidade Baixa de Salvador, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os bairros do Centro Histórico, Comércio, Lapinha, Tororó, Nazaré e Santo Antônio estão incluídos no projeto.
A proposta prevê ainda que imóveis com débitos em tributos, desocupados e sem manutenção, podem ser desapropriados pela prefeitura. A administração municipal estima, inicialmente, que cerca de 500 imóveis na região do Centro Antigo estejam em situação de abandono e falta de manutenção. Ainda não foi feito o levantamento de quais desses imóveis possuem débitos fiscais.
A prefeitura nega que a retirada de residentes será feita, mas o G1 conversou com moradores que estão preocupados com o projeto. A coordenadora do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), que possui cerca de 12 ocupações de imóveis na região do centro, Maura Cristina, diz que os moradores têm receio de que os locais sejam desocupados.
O projeto de lei Nº 302/16, que instituiu o “Revitalizar”, foi enviado pelo Executivo no final do ano passado e aprovado na Câmara de Salvador no dia 26 de abril. A sessão ocorreu dois dias depois do desabamento de um casarão no bairro da Lapinha, no Centro Antigo, que deixou três pessoas da mesma família mortas. O secretário de Urbanismo de Salvador, Guilherme Bellintani, diz que a proposta, agora, aguarda sanção do prefeito, ACM Neto, o que deve feito nos próximos dias.
Desapropriação
Segundo o projeto, o proprietário que não der uso ao imóvel ou terreno na região deve ser notificado pela prefeitura, a fim de tomar providências. Se não respeitar a notificação e não der uso ao imóvel, deve ser penalizado com IPTU Progressivo no Tempo, que implica no aumento anual e consecutivo da alíquota, pelo prazo de até cinco anos.
O IPTU Progressivo implica que a alíquota a ser aplicada a cada ano será igual ao dobro da aplicada no ano anterior. As alíquotas do imposto não podem ser inferior a 1% nem superior a 15%. Depois de cinco anos de cobrança do IPTU Progressivo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de construir ou usar o imóvel, o município poderá fazer a desapropriação.
O secretário diz que a prefeitura defende a moradia de pessoas nos imóveis e não pretende retirar os moradores da região. “Os imóveis que estão ocupados não são objetos do processo, salvo se tiver risco de desabamento, aí teria a ver com a Defesa Civil para avaliar [a possibilidade de retirada de pessoas]. Os imóveis ocupados nos interessam porque nos interessa que tenham pessoas no centro”, diz Guilherme Bellintani.
A desapropriação deverá ser feita mesmo em imóveis tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de acordo com o secretário.
A coordenadora do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), Maura Cristina, diz que os moradores têm receio de que os imóveis sejam desocupados. “Revitalizar é trazer vida ao que não está vivo, mas o centro antigo tem vida. Tem gente que mora no local há 60 anos, que nasceu no local. O projeto fala de imóvel abandonado, mas não fala em que tipo de imóvel deteriorado, em quais condições de uso. Isso não está claro. As pessoas ficam inseguras porque as experiências anteriores foram da mesma forma”, avalia. As ocupações do movimento ocorrem em prédios abandonados e com condições de habitação.
Ela diz que os moradores querem a melhoria da região, mas por meio de investimentos em locais de convivência, como praças. “A redução do imposto beneficia quem comprou um corredor inteiro de imóveis e não quem comprou os imóveis para viver e criar seus netos aqui. A gente precisa de vida no Centro Histórico e não só para turistas”, comenta.
A comerciante Ligiane Palmeira Rebouças há 12 anos mora nos fundos de um casarão localizado no bairro da Lapinha, perto da Ladeira da Soledade, onde ocorreu o desabamento no dia 24 de abril. No imóvel, vivem ainda outras quatro famílias.
Ligiane diz que se preocupa com as condições do imóvel, que precisa de manutenção no teto, mas afirma que os moradores não têm condições de fazer os reparos. Por conta das avarias, ela chegou a construir um forro de madeira, mas ainda assim, o imóvel costuma ficar alagado quando chove. Ela conta que as condições precárias da estrutura já fizeram com que a Defesa Civil (Codesal) notificasse os moradores para que desocupem o imóvel. No entanto, Ligiane diz que o valor de R$ 300 disponibilizados via auxílio-aluguel pela prefeitura não são suficientes para que ela consiga alugar um imóvel para viver em outro local da cidade. “Aí eu teria que completar. Quando vim morar aqui já era ruim, mas não era tão ruim como agora. Um local sem manutenção, a tendência é ruir”, teme.
Comerciantes
Trabalhando em uma marmoraria nos arcos da ladeira da Conceição há 20 anos, Simone Venâncio também teme que o projeto de revitalização possa retirar os estabelecimentos da região. Os marmoristas e ferreiros ocupam os imóveis construídos sob os arcos que sustentam a Ladeira da Montanha, entre a Cidade Baixa e Alta. Dali, é possível ver um dos principais pontos turísticos da cidade, o Mercado Modelo. Alguns trabalhadores também moram no local.
Ela conta que os estabelecimentos da região são passados de pai para filho há cerca de 90 anos. “A gente está lutando para ficar aqui. Queremos que revitalize, mas queremos que os trabalhadores fiquem aqui”, defende.
O serralheiro Edmilson Rodrigues, que trabalha há 50 anos no local, também tem o receio de que os imóveis sejam desocupados e defende que os moradores continuem na região. Ele afirma que chegou a ir em uma audiência pública uma semana antes do projeto ser aprovado na Câmara, mas diz que os moradores não foram ouvidos.
“Os moradores reivindicaram que o projeto fosse suspenso e teve vários atos na Câmara contra o projeto de revitalização. O que se fala é que beneficia grandes empresários e não os moradores. O Centro Antigo somos nós”, avalia.
Os comerciantes dos bairros do Comércio e Centro Histórico reclamam da falta de movimento de turistas no local durante o ano. Dona de um bar próximo ao Mercado Modelo e o Elevador Lacerda, Daniela Lourenzo diz que a região precisa de eventos culturais para atrair os visitantes. “Acho importante que tenha um projeto para revitalizar. Se tivesse mais eventos como shows, teria mais gente por aqui. Tem os shows do Reveillón, mas é muito pouco”, critica.
Ela diz que o estabelecimento precisa fechar às 19h por conta da falta de segurança na região, onde circulam traficantes e usuários de drogas. “Muitos casarões são usados como pontos de venda de droga na região. Os jovens também ficam aqui na frente usando droga”, reclama a comerciante.
A opinião é a mesma do dono de uma loja de artesanato no Largo do Pelourinho, localizada próximo à Catedral Basílica. Felipe Miranda acredita que a revitalização também deve passar pelo incentivo ao turismo e, além da visitação da região pelos moradores de Salvador. “Não tem atração cultural para atrair os turistas. A gente não está tendo retorno financeiro”, lamenta.
Felipe avalia ainda que os incentivos fiscais que serão oferecidos pelo projeto não são suficientes para incentivar empresários a investir na região, reformando as condições dos casarões antigos. “O que pagamos de impostos é cerca de R$ 3 mil. Mas do que adianta se vamos gastar R$ 20 mil com reforma? Ainda temos os gastos com os funcionários”, calcula.
O secretário Guilherme Bellintani sustenta que a lei não deverá resolver todos os problemas do centro. “É parte de um conjunto de ações que temos para Salvador. Eu encaro a atração de turistas como uma consequência, se tivermos centro vivo, com pessoas morando e atividades empresariais, a gente teria naturalmente a presença de turistas. Teria que ser habitável para moradores e comerciantes”, rebate. Bellintani diz que, depois de sancionado, deve ser definido pela secretaria um plano de trabalho para o projeto Revitalizar ser colocado em prática.