As dez mortes ocorridas no último domingo (16) na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (Roraima), podem significar o fim de união de duas décadas entre as duas maiores facções criminosas do País: o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio.
A aliança entre os grupos criminosos vigora desde ao menos 1997. Naquele ano, veio a público o primeiro estatuto da facção paulista. Ali, no 16º e último artigo do texto, a união entre PCC e CV era explicitada:
“O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando se espalhou por todos os Sistemas Penitenciários do Estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos consolidamos a nível estadual e a médio e longo prazo nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho – CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das prisões e o braço armado será o Terro ‘dos Poderosos’, opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros. Conhecemos a nossa força e a força de nossos inimigos. Poderosos, mas estamos preparados, unidos e um povo unido jamais será vencido.”
Abaixo, constava a frase “Liberdade, Justiça e Paz!!!” (que nos estatutos posteriores mudaria para “Paz, Justiça e Liberdade”) e uma assinatura: “O Quartel general do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com o Comando Vermelho – CV. Unidos Venceremos”.
O estatuto de 1997 foi reproduzido no livro Cobras e Lagartos, do jornalista Josmar Jozino, que relata o surgimento da facção paulista. Posteriormente, outras versões do estatuto citavam a expansão do PCC para Estados de fronteira, como Mato Grosso do Sul e Paraná, e continuavam a exaltar a união com o CV.
Em 2007, um estatuto manuscrito apreendido no CDP do Belém, na capital paulista, trazia, no 12º artigo, o seguinte trecho: “lançamos no estado do Paraná, onde usamos a sigla PCP, a semente do PCC”. O artigo seguite falava da atuação da facção no Mato Grosso do Sul, sob a sigla PCMS, onde “irmanados pelo mesmo estatuto” os “irmãos lutam pelo mesmo objetivo”. Antes no 11º artigo, era citada a já antiga “irmandade” entre o PCC e o Comando Vermelho.
Expansão do PCC
Após instalar-se em Estados de fronteira, o PCC pouco a pouco dominou as negociações sobre fornecimento de drogas com traficantes paraguaios. O CV, então, passou a ser um cliente dos paulistas, que importavam drogas e armas.
Com a entrada do crack ao Rio, os criminosos paulistas chegaram a apoiar os fluminenses na montagem de uma base em Itaboraí, na região Metropolitana do Rio, onde o CV poderia trabalhar a pasta base de coca recebida de São Paulo. O fato foi relatado em setembro de 2013, em depoimento de um traficante preso.
Recado de Beira-Mar
Os criminosos paulistas passaram a participar de reuniões do CV, com o intuito de saber qual era demanda do grupo do Rio: o quanto de drogas e armas eles necessitavam.
Levantamento do Ministério Público de São Paulo apontou ainda que o PCC, além de atuar nas ruas do Rio, começava a entrar nos presídios do Estado: quase 40 detentos fluminenses teriam sido “batizados” pela facção paulista.
As investigações indicaram que o fato provocou certa tensão entre as duas facções. Um recado em que Fernandinho Beira-Mar, líder da facção do Rio, pedia à cúpula do grupo criminoso de São Paulo que não “convertesse” os rivais chegou a ser interceptado.
Reflexo do País
Nesta segunda-feira (17), o secretário de Justiça e Cidadania de Roraima, Uziel Castro, afirmou que as mortes de presos no Estado estão relacionado ao rompimento entre PCC e CV:
— O que houve foi reflexo do que está ocorrendo no País inteiro, e a ordem das mortes veio do Rio de Janeiro.
Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Bruno Paes Manso afirma que, no Rio, já foram detectados problemas entre PCC e CV. Mas diz que a informação deve ser vista com cautela:
— O serviço de inteligência do Rio de Janeiro revelou que há tensão entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), há pelo menos dois meses. Esta informação ainda não está confirmada, mas estas rebeliões com mortes são indícios de que realmente está ocorrendo algo. Mas é difícil trabalhar com informações do mundo criminal.
Além de Roraima, Rondônia também teve episódios de mortes após briga entre facções. Em São Paulo, também houve, nos últimos meses, um aparente aumento no número de motins.
Roraima
A confusão em Boa Vista começou quando os presos integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) quebraram os cadeados e invadiram a Ala 12, onde estavam os integrantes do CV (Comando Vermelho) durante o horário de visita.
Dos dez mortos, a segurança pública já identificou sete dos presos, entre os quais Valdineys de Alencar Sousa, o Vida Loka, que se intitulava líder do Comando Vermelho, e Leno Rocha de Castro, que seria o segundo no grupo. Ambos tiveram as cabeças decepadas. Alguns dos corpos foram incinerados, o que dificultou a identificação.
Dos cerca de 1.200 presos de Roraima, 92 se declararam integrantes da facção Comando Vermelho, que domina 10% do presídio, e foram separados de ala por sofrerem ameaças.
Rondônia
Em Porto Velho, os presos colocaram fogo dentro das celas e as vítimas morreram por asfixia por conta da fumaça. Outros dois presos ficaram feridos.
Durante o motim várias celas foram destruídas. Segundo informações, o quebra-quebra começou depois que um preso foi transferido para o Ênio Pinheiro, e os detentos não aceitaram a presença dele no pavilhão já que o criminoso fazia parte da facção do PCC da capital.
Houve princípio de fuga, os presos usaram pedaços de madeira, ferro e até uma foice foi encontrada com os presos, muitos deles foram espancados por outros detentos que estavam no comando da rebelião.
R7