O espaço histórico da cena cultural brasileira desde 1964 é palco-natal de Othon Bastos, dos Novos Baianos, de Caetano, Gil, Bethânia, Gal, Tom Zé, Lázaro Ramos, Wagner Moura, Virgínia Rodrigues e de uma série de outros grupos, projetos e artistas
No dia 31 de julho, o Teatro Vila Velha (TVV) faz aniversário: 59 anos. Inaugurando o ciclo de comemorações Vila + 60 com o mais tropicalista dos tropicalistas, o cantor e compositor Tom Zé, no show intitulado “59”. O evento que acontece esta segunda-feira, às 19h, é para convidados e aberto para uma pequena cota de público, gratuitamente, que será disponibilizada através da plataforma Sympla ainda esta semana. Além disso, O Vila anuncia, com apoio da Prefeitura de Salvador, o compromisso firmado de reforma e requalificação de todo o espaço físico do Vila e do Passeio Público de Salvador, até julho do ano que vem.
Tom Zé retorna ao palco que lhe deu régua e compasso e que o lançou para o mundo, juntamente com Gil, Caetano, Bethânia e Gal, no show “Nós, Por Exemplo”, que inaugurou o Vila em 1964. No repertório, a canção “Teatro”, composta e gravada por ele para o espetáculo “Um Tal de Dom Quixote”, montagem do diretor Márcio Meirelles que reinaugurou o Vila em 1998; e músicas do álbum “Língua Brasileira”, que tem a proposta de investigar a língua e a cultura brasileiras, celebrando suas especificidades e riquezas, em contraponto à narrativa colonial e simplificadora de “descoberta” do Brasil e da disseminação da língua portuguesa.
A terceira idade do Vila se aproxima sob a mesma essência de sua fundação, em 1964: sob a perspectiva da parceria, independente, laica e apartidária, entre seu corpo artístico e gestor e as instâncias governamentais, a sociedade civil e a iniciativa privada. É longe de uma lógica polarizada ou extremista que o Vila segue acreditando que a construção de sua sustentabilidade é livre e democrática, em diálogo com os governos municipal, estadual e federal.
Por essa razão, recebeu neste mês de julho a visita do prefeito Bruno Reis, acompanhado do secretário municipal de Cultura, Pedro Tourinho, do presidente da Fundação Gregório de Mattos, Fernando Guerreiro, e da presidente da Fundação Mário Leal Ferreira, a arquiteta Tânia Scofield, em que se firmou um compromisso de requalificação e reforma desse histórico equipamento cultural e do Passeio Público de Salvador. E espera muito em breve anunciar outras ações em trâmite com as esferas estadual e federal.
O encenador e diretor artístico do Teatro Vila Velha, Márcio Meirelles, relembra que “em 1961 o terreno do Passeio Público de Salvador foi cedido, pelo governador Juracy Magalhães, ao grupo Teatro dos Novos, para a construção do Vila. O Prefeito, Virgildásio Sena, que tinha sido Secretário Municipal de Obras na gestão anterior, muito apoiou a construção. No dia 31 de julho de 1964, o Vila foi inaugurado com o apoio da Prefeitura de Salvador e do Governo do Estado da Bahia. 59 anos depois o Prefeito, Bruno Reis, que foi Secretário Municipal de Obras na gestão anterior, faz uma visita para conhecer o teatro, levado por Pedro Tourinho e Fernando Guerreiro. E, pela importância do Vila para a cidade, estado e país, oferece o investimento municipal para sua reforma e requalificação. No dia 31 de julho de 2024, o Vila, que tem apoio financeiro para sua manutenção do Governo do Estado, será reinaugurado com esse investimento da Prefeitura. 60 anos depois”.
“Pia batismal dos artistas baianos”, como definiu Gilberto Gil, que, junto à Bethânia, Caetano, Gal Costa e Tom Zé, começou a sua carreira no Vila, com o show “Nós, Por exemplo”, que inaugurou o teatro em 1964. O Vila continua sendo um dos mais atuantes centros de formação, criação e difusão das artes cênicas no Brasil. Palco-natal de Othon Bastos, dos Novos Baianos, de Lázaro Ramos, Wagner Moura, Virgínia Rodrigues e dos grupos Bando de Teatro Olodum, Viladança, Cia de Teatro Novos Noves, VilaVox e de uma série de outros grupos, projetos e artistas. Foi também no palco do Vila que foram julgadas e aprovadas as anistias políticas do cineasta Glauber Rocha e do guerrilheiro Carlos Marighella, e o Estado Brasileiro pediu desculpas a suas famílias pelos atos criminosos durante o regime militar. Histórias que o acervo do Vila preserva através de registros audiovisuais, fotográficos, jornalísticos e diversos outros documentos e formatos.
Universidade LIVRE do Teatro Vila Velha – 10 anos
Outro marco dessa trajetória é a criação, em 2013, da Universidade LIVRE do Teatro Vila Velha, que agora completa 10 anos e está em processo de construção do experimento cênico “Identidades Afro-Brasileiras”, no qual vem discutindo e refletindo sobre o tema a partir de percepções e entendimentos sobre alteridade, empatia, tolerância, afeto, respeito, singularidade, entre outros conceitos possíveis de abordagem e debate.
O experimento, que será apresentado no 19 de julho, às 19h, é uma das etapas para montagem de um espetáculo com a turma 2022.2.
A LIVRE é um programa de formação profissionalizante que inclui oficinas das artes do palco, com colaboradores locais, nacionais e internacionais. Periodicamente, são abertas convocatórias. Além da formação como atores, os participantes integram territórios nos quais aprendem e executam atividades nas áreas de gestão, comunicação, arquitetura da cena, memória, elaboração de projetos e audiovisual.
“A LIVRE é uma comunidade multidisciplinar, que surge com a necessidade de repensar a sociedade através do teatro. Propõe não só à reflexão, mas a ação, dando resposta a um teatro que encontra dificuldades para conservar seu público. É um espaço de troca sempre constante de conhecimento. Não temos professores, alunos, departamentos, mas projetos e experimentos… Trabalhamos com dramaturgia, cenografia, iluminação, figurino, percussão, voz, corpo, tecnologia. Não há obrigação. O que nos interessa é o compromisso”, explica o diretor Marcio Meirelles.
Amigos do Vila – plataforma Padrim
Também buscando novas bases de sustentabilidade financeira, o teatro vila velha criou o Amigos do Vila, um projeto de financiamento continuado criado em dezembro de 2019, onde todo mundo pode contribuir financeiramente com o Teatro através de doações que vão de R$ 1,00 a R$ 250,00. Qualquer pessoa pode se tornar um Amigo do Vila de duas formas: realizando um cadastro na plataforma Padrim www.padrim.com.br/teatrovilavelha ou através do Paypal.
Novo Vila Virtual / WEB-Teatro
Em março de 2020, com a pandemia de Covid19, um Novo Vila virtual foi pensado, planejado e construído logo na primeira semana de confinamento. As primeiras atividades foram as da Padaria de Projetos, área que planeja a sustentabilidade do Teatro Vila Velha, na elaboração de projetos para captação de recursos. Em seguida foram as oficinas-experimento da universidade LIVRE e os ensaios da companhia teatro dos novos. Ao mesmo tempo, a recriação do palco em plataformas de transmissões; da memória, organizando, recuperando e exibindo os vídeos/registro de peças; do espaço expositivo, também em plataformas digitais; transformando o edifício físico num espaço virtual. No período pandêmico, duas exposições e seis espetáculos inéditos foram produzidos, encenados e transmitidos ao vivo, radicalizando a pesquisa em web-teatro desenvolvida pela Companhia Teatro dos Novos. Youtube: @teatrovilavelha,
Projeto Pé de Feijão/formação de plateia e mediação cultural
“Como foi sua primeira experiência no teatro? Você já foi ao teatro?” Essas perguntas norteiam a criação do Pé de Feijão, cujo objetivo é o de oferecer uma programação artística gratuita para o público infantojuvenil de comunidades periféricas e da rede pública de ensino da cidade. O projeto realiza um amplo trabalho de mediação cultural feito por uma equipe especializada, que através de etapas de seleção de públicos, comunicação, aproximação, envolvimento, informação de conteúdos e logística de acesso ao teatro, estimulam a apreciação da arte. “Acreditamos que encontros entre arte e educação contribuem para a formação de uma sociedade mais sensível, humana, inteligente e diversa”, afirma Cristina Castro, idealizadora do projeto e coordenadora geral da “Padaria do Vila”.
Teatro Vila Velha/ História
O Teatro Vila Velha sempre foi um espaço de liberdade, desde a sua inauguração, em 31 de julho de 1964, exatos quatro meses após o Golpe Militar. O Vila reagiu à ditadura, acolheu artistas e estudantes perseguidos, abrigou encontros do movimento estudantil. Por toda essa história, foi sede da Anistia Internacional. Também no palco do Vila foram julgadas e aprovadas as anistias políticas do cineasta Glauber Rocha e do guerrilheiro Carlos Marighella, e o Estado Brasileiro pediu desculpas a suas famílias pelos atos criminosos durante o regime militar.
Em 2012 e 2013, o Vila abrigou o Movimento Desocupa, contrário aos abusos feitos pela administração municipal e, junto a ele, realizou o projeto “A Cidade que Queremos”, que discutia o futuro de Salvador. Mais tarde, apoiou o Movimento Passe Livre, que tinha o Passeio Público como quartel general.
É também histórica a luta do Vila contra o racismo, principalmente através do Bando de Teatro Olodum. A luta por respeito ao povo negro e, especialmente, à arte negra, levantada pelo Bando, serve de inspiração a muitos, e já transcendeu as fronteiras do Brasil.
Também a luta contra a discriminação à comunidade LGBTQIA+ tem palco no Vila, como a defesa da mulher, o acesso a artistas, projetos e ações que buscam a acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência física.
Fazer Teatro Vila Velha é também construir no plural. Fundado pelo Teatro dos Novos, primeira companhia profissional de teatro da Bahia, foi berço de importantes grupos artísticos. Nasceram aqui o Teatrinho Chique-Chique, o Vilavox e a Companhia Novos Novos, hoje com sedes próprias. Aqui surgiu o Viladança e o Vivadança Festival Internacional, que coloca o Vila e a Bahia no circuito internacional de dança. Abrigou o Teatro Livre da Bahia, A Outra, o NATA – Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas, a Cia Teatro da Queda, a Supernova Teatro e o Bando de Teatro Olodum.
Este palco, chamado por Gilberto Gil de “pia batismal dos artistas baianos”, é lembrado com carinho por quem já passou por aqui e, por isso, costuma emocionar os que pisam nele pela primeira vez.