O isolamento provocado pela pandemia do novo coronavírus criou ainda mais dificuldades para que fossem feitas denúncias de crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes e pode ter ajudado a aumentar a subnotificação de casos. Foi o que revelou o relatório Análise de Ocorrências de Estupro de Vulnerável do estado de São Paulo, feito pelo Instituto Sou da Paz, o Ministério Público de São Paulo e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e divulgado em dezembro.
“A ideia [do relatório] era entender por que os registros [de denúncias de estupro de vulnerável] diminuíram neste primeiro semestre de 2020. E a gente observou que, na verdade, não houve uma diminuição das ocorrências, mas das denúncias nesse período de isolamento social”, disse Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz.
Em entrevista à Agência Brasil, Cristina ressaltou que essas denúncias já são, habitualmente, muito difíceis de serem feitas. E, com o isolamento, a subnotificação desse tipo de crime cresceu. “Já é um crime difícil de ser denunciado pela própria natureza da violência. E, nesse período [de pandemia], isso se tornou ainda mais difícil porque as vítimas ficaram mais isoladas das instituições ou de outros adultos que poderiam observar sinais de violência ou dos canais onde elas poderiam pedir ajuda e denunciar”.
Relatório
Para elaborar o relatório, os órgãos analisaram dados quantitativos sobre ocorrências de estupro de vulnerável (aqueles que são cometidos contra menores de 14 anos, pessoas com deficiência ou condição de vulnerabilidade), registradas na Polícia Civil de São Paulo entre janeiro de 2016 e junho de 2020.
Segundo o levantamento, esse tipo de crime vinha crescendo ano a ano, mas no primeiro semestre de 2020 apresentou redução significativa de -15,7%, sobretudo nos meses de abril (-36,5%) e maio (-39,3%), quando a quarentena no estado era ainda mais restritiva. Mas a redução não significou que o crime diminuiu. “Apesar da diminuição do número de denúncias, o crime continua ocorrendo porque ele ocorre sobretudo em ambiente doméstico, praticado por pessoa conhecida – parentes, vizinhos ou amigos. E [na pandemia] tivemos aumento da proporção desse tipo de crime ocorrido dentro de casa. Então, isso já é um indicativo de que as ocorrências não diminuíram de fato, apenas as denúncias”, afirmou a coordenadora.
Um dos fatores que dificultou o processo de denúncia durante a pandemia foi o fechamento das escolas, espaço onde muitas eram feitas ou onde o contato da vítima com os canais de proteção era facilitado. “O fechamento das escolas foi mais um fator que prejudicou a possibilidade de denunciar esses casos. Nas escolas, as crianças são observadas, supervisionadas pelos professores e educadores. A escola é um canal importante para levar atendimento a essas crianças, para dar encaminhamento aos casos e fazer o atendimento [das vítimas]”, disse ela.
A partir do mês de junho, quando o estado de São Paulo começou a reabrir gradualmente o comércio e os serviços, os registros desse tipo de crime voltaram a crescer. E tendem a aumentar. “A gente entende que deve haver aumento das denúncias, refletindo inclusive o acúmulo dos casos acontecidos durante o período de isolamento e que não foram registrados”, observou Cristina.
Perfil das vítimas e dos autores
Oito em cada dez vítimas (83% do total) de violência sexual contra vulneráveis são do sexo feminino e têm até 13 anos. A maioria delas (60%) é branca e 38%, negras. O pico dos abusos contra meninas ocorre aos 13 anos e contra meninos mais cedo, entre 4 e 5 anos.
Em média, 7% das vítimas têm algum tipo de deficiência ou outra vulnerabilidade, sobressaindo a deficiência intelectual.
Denúncia
Para relatar um crime como esse, a vítima ou qualquer outro denunciante, até mesmo de forma anônima, pode procurar o Disque 100, canal de denúncias e de encaminhamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A denúncia também pode ser feita nos conselhos tutelares ou em delegacias de polícia. A denúncia ajuda não somente a cessar esse tipo de violência, mas também a dar encaminhamento para tratamento das vítimas
Agência Brasil