Com mais de 13,5 mil pedidos até o dia 20 deste mês, o número de habeas corpus apresentados ao Supremo Tribunal Federal (STF) bateu recorde em 2018. Os dados confirmam uma tendência de crescimento desse instrumento constitucional, que já havia dobrado de 2016 para 2017, ao ultrapassar a marca de 11 mil. Como a Corte não consegue dar conta de todos os casos – apenas um quarto deles já passou por todas as etapas de tramitação -, a maioria acaba sendo analisada de forma monocrática, quando a sentença é dada isoladamente por um dos 11 ministros da Corte, sem passar pelo colegiado.
Especialistas apontam para uma espécie de conflito entre a Corte mais alta do País e as outras instâncias do Poder Judiciário. Para Ivar Hartmann, professor da FGV-Rio e coordenador do projeto Supremo em Números, muitos magistrados de instâncias inferiores tomam decisões contrárias a precedentes abertos pelo STF. Isso faz com que a defesa dos réus recorra à última instância por entender que os ministros podem lhes conceder o habeas corpus, medida prevista na Constituição de 1988 para impedir violência ou coação no direito de ir e vir, seja por ilegalidade ou abuso de poder.
“Esse fator é um gatilho. Mas o causador principal é a lógica do sistema Judiciário brasileiro, que é uma lógica de revisão incessante de decisões”, diz Hartmann. “Ou seja, ainda que exista o descumprimento de decisões do Supremo, a saída para isso certamente não é que o próprio Supremo revise todos esses casos. Não é sustentável.”
Para lidar com a demanda gigantesca, os ministros acabam recorrendo às decisões monocráticas, sem passar pelas turmas. Foram concedidos neste ano 642 habeas corpus, o equivalente a cerca de 5% dos recebidos pelo STF. Dentre eles, quase todos foram decididos por apenas um ministro individualmente – 568, ante 74 debatidos pelas turmas. Em termos porcentuais, 88,5% de monocráticas e 11,5% de decisões colegiadas.
Foi o caso de decisão anunciada em setembro pelo ministro Gilmar Mendes, que mandou soltar o ex-governador do Paraná Beto Richa, a mulher do político e outras 13 pessoas, todos acusados de irregularidades em licitações públicas. Gilmar argumentou que havia “indicativos de que tal prisão” teria “fundo político” (Richa foi candidato ao Senado pelo Paraná, mas não foi eleito). Outros políticos também bateram à porta do Supremo neste ano.