O Brasil tem o maior sistema público de transplante de órgãos do mundo — cerca de 96% dos procedimentos são custeados pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Entretanto, ainda existem 36.468 pessoas cadastradas na lista de espera de órgãos como rim, fígado coração, pulmão, pâncreas e córnea.
Na semana passada, a família do apresentador Gugu Liberato autorizou a doação de órgãos e tecidos do apresentador, morto em um acidente na casa dele no estado norte-americano da Flórida. Mais de 50 pessoas devem ser beneficiadas.
O rim possui a maior demanda, com 23.630 pessoas no aguardo, de acordo com dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos) de janeiro a setembro de 2019. No país, a decisão de fazer a doação dos órgãos para transplantes depende exclusivamente da família do falecido.
Para que um órgão seja transplantado, é preciso respeitar o seu tempo de isquemia, ou seja, o período em que ele continua funcionando, mesmo sem receber sangue. O rim resiste por 48 horas. Esse intervalo diminui 4 vezes no caso do fígado. O coração é o menos resistente, funciona por apenas 4 horas.
“É preciso ter uma equipe altamente especializada e um sistema organizado e ágil para que todo o processo que envolve o transplante tenha sucesso”, ressalta o neurologista Júlio Pereira da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. O Sistema Único de Saúde (SUS) controla a lista de espera.
“No caso de um transplante de coração, a chance do paciente estar vivo após um ano da realização do procedimento é de 90%”, diz Paulo Pêgo, cirurgião cardíaco do HCor (Hospital do Coração).
“O transplante é a última saída, realizado quando o paciente não responde ao tratamento com remédios ou não há a possibilidade de fazer uma cirurgia mais simples”, acrescenta.
O Brasil só perde para os EUA em quantidade de transplantes, segundo o Ministério da Saúde. Nos primeiros nove meses de 2019 foram feitos 6.722 transplantes, diz a ABTO.
De acordo com a associação, a recusa dos familiares à doação de órgãos de potenciais doadores é o principal impedimento para que esse processo se concretize. Foram quase 2.000 negativas dentre os 8.464 potenciais doadores notificados.
“A família do paciente está tão abalada que passa por um processo de negação e fica revoltada. Por isso, nós médicos precisamos ter sensibilidade na hora de conversar sobre o assunto”, pondera o especialista.
Além da rejeição familiar, outra barreira é o protocolo a ser seguido quando um paciente sofre morte encefálica, quando o paciente tem a perda total e irreversível de suas funções cerebrais. Esse diagnóstico é o pontapé para uma possível doação de órgãos.
“A morte encefálica é um conceito recente, quando a gente diz que alguém morreu, pensam numa pessoa caída na rua. É difícil imaginar que uma pessoa tem o resto dos órgãos funcionando, mas está morta, porque seu cérebro parou”, afirma Pereira.
No Brasil, os critérios para diagnóstico de morte encefálica são definidos pelo Conselho Federal de Medicina.
Dois médicos independentes e sem qualquer relação com a equipe de transplantes fazem exames clínicos para analisar reflexos do tronco cerebral e o teste de apneia, para constatar que a pessoa não está respirando.
“O tronco cerebral é a estrutura que nos mantém vivos, então, se ele não estiver funcionando direito, o resto do corpo também não funciona”, explica Pereira. “Se esses reflexos estão fechados, o quadro do paciente é irreversível”, explica o neurologista.
R7