Uma dúvida comum é se aqueles que tiveram covid-19 e se recuperaram estão imunes contra a doença. A ciência ainda não tem uma resposta definitiva para essa questão. Novos estudos mostram que anticorpos duram poucos meses, mas eles não são a única forma de imunização de que o organismo dispõe.
O alergologista Gesmar Segundo, coordenador do Departamento Científico de Imunodeficiências da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia) observa que existem vírus que ficam memorizados pela vida inteira no sistema imune, como o do sarampo, que requer apenas duas doses de vacina na infância ou uma na vida adulta – no momento, devido ao surto no país, foi preconizada também a dose zero, entre 6 e 11 meses de vida. Já outros, como o da hepatite B, são “esquecidos”, por isso exige três doses.
“A gente não sabe quão eficazes [os anticorpos contra o coronavírus] são nem quanto tempo vão durar”, afirma. E destaca que a memória imunológica é como a cerebral: todo o conhecimento que não é exercitado – nesse caso, o mecanismo de combate a um vírus – “vai sumindo”.
Entretanto, até agora, nenhum caso de reinfecção pelo novo coronavírus foi confirmado, embora pesquisadores admitam essa possibilidade.
Essa falta de comprovação conta a favor da possibilidade de imunização permanente contra a covid-19 após se recuperar da doença, dado o grande número de casos confirmados, de acordo com o infectologista João Prats da BP – a Beneficência Portuguesa de São Paulo.
“Temos um monte de gente com covid-19 e não temos nenhuma reinfecção confirmada. Era para ter, por exemplo, em profissionais da saúde, que voltam ao trabalho depois de se recuperar da covid e ficam muito expostos. Mas não há dados clínicos que mostrem uma reinfecção”, pondera.
O especialista ainda cita casos de pessoas que tiveram a confirmação da doença, melhoraram, tempos depois voltaram a ter sintomas e o resultado do teste foi positivo.
“Isso não significa que a pessoa foi infectada de novo. Um estudo da Coreia do Sul analisou 100 pessoas e nenhuma delas tinha vírus viável, capaz de infectar outras pessoas. Seriam apenas pedaços dele que ainda restaram”, afirma.
Prats ainda observa que a existência ou ausência de anticorpos também não permitem tirar conclusões assertivas sobre a imunidade de quem já teve covid-19, pois eles não são a única via para alcançá-la. Ele explica que o corpo humano tem dois mecanismos que podem ser usados para combater a infecção pelo novo coronavírus: a imunidade inata e a adaptativa.
A primeira, como o nome já diz, nasce com cada um. São “barreiras naturais, as primeiras armas”, como descreve o infectologista, que servem para combater qualquer tipo de infecção, mas não produzem anticorpos.
“Se o vírus não passar nem dessa primeira barreira, você não vai precisar de anticorpos”, afirma.
Gesmar explica que a imunidade inata é composta por células chamadas de “natural killer” (assassinas naturais, em inglês). “Esse processo é bem fraquinho, mas funciona”, descreve.
Já a imunidade adaptativa, por sua vez, produz uma resposta personalizada para cada agente invasor a partir da atividade de células chamadas linfócitos.
Há dois tipos envolvidos no combate: os linfócitos T são capazes de identificar e matar células infectadas pelo novo coronavírus e os linfóitos B, que fabricam anticorpos. “Você pega pedaços do vírus e se adapta, produz anticorpos específicos para combatê-lo”, resume Prats.
Gesmar, no entanto, destaca que os anticorpos não são os elementos mais importantes na guerra contra infecções virais, como é o caso da covid-19.
“Para nenhum vírus [a existência] de anticorpos é a coisa mais importante. O vírus vive e se replica dentro da célula, mas nenhum anticorpo consegue entrar dentro dela, ele age no curto período de tempo em que o vírus ainda está fora da célula”, afirmou em entrevista ao R7.
Prats acrescenta que essa é uma das razões pela qual a queda no número de anticorpos contra a covid-19 depois de um certo tempo – como mostrou uma pesquisa do King’s College London, no Reino Unido – não significa, necessariamente, que a pessoa está suscetível a ser infectada de novo pelo coronavírus. E, além disso, o sistema imune ainda pode ter a fórmula para produzi-los.
O infectologista da BP alerta que resultados positivos de testes rápidos para covid-19, capazes de identificar anticorpos a partir de uma pequena amostra de sangue, não devem ser encarados como “passaportes de imunidade”.
“Se você for fazer um teste de anticorpos, faça com orientação médica. Ele tem que ser interpretado com cuidado”, aconselha.
Os testes rápidos podem detectar dois tipos de anticorpos, os chamados IgM, primeiro a ser produzido, indica que a pessoa está infectada ou teve infecção recente, e o IgG, que é mais ambundante e demora para ser produzido, indica que a pessoa está recuperada, mas não necessariamente imune.
“Se [a pessoa] tiver IgM positivo ela ainda pode estar transmitindo [o vírus]. Quem tem só IgG, na teoria, não transmite mais”, compara. Independentemente do resultado, a recomendação de Prats é seguir com os cuidados de prevenção: usar máscara, manter a higiene das mãos e o distanciamento social.