A briga entre corintianos e são-paulinos, ocorrida no último domingo (14) em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, reascendeu uma discussão que divide opiniões desde 2016: seria a torcida única em estádios a solução para o conflitos entre torcidas organizadas?
A quase 35 km de distância do local onde os dois times empataram pelo primeiro jogo da final do Paulistão, ao menos 14 pessoas ficaram feridas, sendo 9 levadas ao hospital, em uma briga entre torcedores das duas equipes que acumulam as maiores torcidas do Estado.
Mas este não foi o primeiro caso após a medida entrar em vigor, em abril de 2016. Segundo levantamento do R7, foram 16 brigas somente em dia de clássicos com torcida única entre os 4 grandes de São Paulo. Destes confrontos, 12 aconteceram fora dos estádios, entre torcidas rivais, e 4 dentro das arenas, envolvendo torcedores do mesmo time, policiais ou torcedores “infiltrados”.
Para Felipe Tavares Paes Lopes, professor de Comunicação e Cultura na Universidade de Sorocaba, houve a “instituição de uma nova modalidade de torcedor, que é o torcedor ‘infiltrado’. Então há, nos clássicos hoje em dia, uma espécie de ‘caça’ àquele torcedor que é supostamente é do rival. Isso é um problema, pois, na Argentina, há alguns anos, houve o caso de um torcedor que foi brutalmente assassinado no meio da torcida do próprio time, por conta de um boato de que ele seria um ‘infiltrado'”.
Segundo apuração do R7, ao menos duas agressões de supostos “infiltrados” foram registradas em estádios paulistas desde 2016.
“Além da manutenção dos confrontos fora do estádio e o aumento de rivalidades dentro de uma própria torcida, que é algo observado na América Latina inteira. Ou seja, muitas das brigas são motivadas por rixas internas e isso, evidentemente, a torcida única não impede”, diz Lopes.
Para Mauricio Murad, sociólogo e autor do livro A Violência no Futebol: Novas Pesquisas, Novas Ideias, Novas Propostas, estas agressões dentro do campo de jogo, que motivaram a definição por apenas um time com torcida nas arquibancadas, são raridade no futebol atual. “De 10 anos para cá, os conflitos entre torcedores de futebol — ou melhor, gangues infiltradas nas torcidas organizadas — saiu dos estádios e, em mais de 90% do casos, se espalhou pelas cidades. Há conflitos e mortes bem longe dos estádios, chegando a até 90 km de distância”, diz.
Segundo Murad, a distância geográfica entre as agressões e o esporte “mostra que a violência aparece no futebol, mas não é do futebol. As conexões dessas gangues com o crime organizado, o tráfico de drogas e, agora também, o tráfico de armas, são a chave para entender esse grave cenário”.
Outro fenômeno que ajuda a entender este aumento no número de conflitos, relembra Felipe, foi a fragmentação das torcidas. “Com isso, você tem uma descentralização do poder, e, consequentemete, embates em regiões específicas, entre grupos específicos, sejam eles de torcidas rivais ou até mesmo da mesma organizada”, diz.
Para Lopes, isso contribui para a criação de uma espécie de “cidade invisível”, criada apenas para as torcidas organizadas. “Algumas regiões são vistas como territórios de uns e outras como território de outras. Circular com camisa de torcida organizada em território que é visto como território da torcida rival, evidentemente é visto como uma afronta. Você sabe destas divisões se você é de uma torcida, mas quem não participa, não tem acesso à estas territoralidades.”
Para Murad, a melhor estratégia para o combate a estas brigas é “ter um plano estratégico nacional: repressão no curto prazo, prevenção no médio e reeducação no longo”.
Procurado pela reportagem, o promotor Paulo Castilho, do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), alegou problema de agenda e não respondeu aos questionamentos.
R7