O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu nesta terça-feira (18) rejeitar a possibilidade de políticos terem o mandato cassado por abuso de poder religioso já nestas eleições. O julgamento fez o TSE entrar na mira de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e de lideranças evangélicas, que viam na discussão uma caça às bruxas ao conservadorismo e uma ameaça à liberdade de culto.
Atualmente, a legislação eleitoral prevê três tipos de abuso de poder que podem levar à perda do mandato: o político, o econômico e o uso indevido dos meios de comunicação. O vice-presidente do TSE, ministro Edson Fachin, propôs criar também a possibilidade de se punir quem utiliza sua ascendência eclesiástica sobre algum grupo para influenciar na escolha de candidatos, o que foi rejeitado pela maioria dos integrantes da Corte.
“Não vejo como conceber o abuso de poder religioso de forma autônoma. Não é preciso destacar uma categoria”, disse o ministro Og Fernandes. “Se levarmos ao pé da letra, poder-se-ia invocar abuso de poder esportivo escolher atletas que servem de identificação e influência na escolha do eleitor. O que é de interesse da Justiça Eleitoral é a garantia dessa liberdade de escolha.”
Ao apontar dificuldades no debate do tema, o ministro Luís Felipe Salomão ressaltou que não há uma previsão legal que combata especificamente o abuso de poder religioso – o que dependeria de aprovação de uma lei pelo Congresso.
“A primeira delas é a própria ingerência do Estado, do estado juiz, a considerar o abuso do poder religioso ou a ingerência no próprio poder religioso, que seria o inverso e me parece inquietante no contexto do Estado democrático de Direito. E segundo lugar, a questão do subjetivismo, onde cada um pode chegar à conclusão diversa não havendo uma base objetiva para a configuração desse abuso”, observou Salomão.
Na avaliação de Salomão, eventuais práticas ilícitas que venham a ser cometidas na esfera religiosa podem ser punidas por meio de dispositivos já previstos na legislação eleitoral, tais como propaganda irregular, compra de votos, abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
O ministro Og Fernandes foi na mesma linha. “Não vejo como conceber o abuso de poder religioso de forma autônoma. Tenho o entendimento de que não é preciso destacar uma categoria para sedimentar que a Constituição proíbe a fraude às eleições, de modo que eventuais abusos praticados por lideranças, sejam elas eclesiásticas, sindicais, patronais, esportivas, artísticas, corporativas, docentes e que visam, em última análise, a influenciar a livre escolha do eleitor, estão incluídas na expressão ‘fraude’, cuja acepção é ampla e abrange a coação oriunda da ascendência desses líderes sobre determinado grupo de eleitores”, disse Og.
Og Fernandes, Salomão e Sérgio Banhos acompanharam o entendimento dos ministros Alexandre de Moraes e Tarcísio Vieira, que já haviam votado contra a criação da figura do abuso de poder religioso.
Ativismo judicial
Em reunião reservada com deputados da Frente Parlamentar Evangélica, no último dia 5, Fachin ouviu críticas à sua proposta. Para os parlamentares, é “ativismo judicial” cassar o mandato de políticos (de vereadores a presidente da República) por abuso de poder religioso, sem uma previsão explícita na lei sobre o tema. Em memorial distribuído aos ministros da Corte Eleitoral, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) alegou que a legislação eleitoral não prevê o chamado “abuso de poder religioso”, de modo que a aplicação de sanções com base nesse novo conceito tem o potencial de gerar “grave insegurança jurídica e violar a liberdade religiosa”.
Fachin é o relator do caso que envolve a vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos). Pastora da Assembleia de Deus, ela é acusada de usar sua posição na igreja para promover a candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi reeleita em 2016.
O relator já votou contra a cassação da vereadora, por não encontrar provas suficientes no caso concreto mas ressaltou que Estado e religião devem ser mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores.
“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, disse Fachin no início do julgamento, em junho, num dos trechos mais polêmicos do voto, interpretado como uma crítica severa aos neopentecostais.
O presidente da Anajure, Uziel Santana, elogiou o entendimento da maioria dos ministros do TSE. “O TSE, guardião do poder eleitoral, exerceu dignamente a função constitucional que lhe é reservada. Aprovar uma restrição de direitos a um segmento social, qualquer que seja ele, seria abuso do poder judicial contra a democracia participativa. As preocupações do ministro Fachin são legítimas, mas já contempladas no sistema legislativo eleitoral. Inovações só através do Congresso Nacional”, disse Uziel.
R7