Foram compradas 11,4 milhões de caixas de zolpidem no ano passado, um recorde.
Apenas de 2017 para 2018, a alta foi de 33,5%. Os dados são de um levantamento exclusivo feito pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a pedido do R7.
O zolpidem aparece como o terceiro medicamento mais vendido em 2018 no levantamento, que inclui oito drogas psicotrópicas.
O aumento do consumo do zolpidem ocorre em meio a uma queda de outros medicamentos tradicionalmente usados, incorretamente, por quem tem problemas para dormir: os benzodiazepínicos, ou ansiolíticos.
“Os benzodiazepínicos não são hipnóticos, não induzem ao sono. São relaxantes musculares, ansiolíticos, amnésicos e geram dependência”, explica a presidente da Associação Brasileira do Sono, a médica neurologista Andrea Bacelar.
Diretriz da AMB (Associação Médica Brasileira) alerta que “os benzodiazepínicos costumam perder o efeito sobre o sono ao longo do tempo, sendo ineficazes para o tratamento da insônia crônica, além de levar a alterações da arquitetura do sono”.
Chamados de Z-hipnóticos, medicamentos como o zolpidem surgiram nos anos de 1990 para tratar quadros de insônia, como uma alternativa aos benzodiazepínicos. A grande vantagem divulgada pelos fabricantes sempre foi o menor efeito rebote e o baixo risco de dependência.
O zolpidem foi criado na França em 1988 e ganhou notoriedade em meados da década de 1990, quando foi aprovado nos Estados Unidos com nome comercial de Ambien.
No Brasil, o medicamento tem a venda autorizada desde 2007, com nome de referência de Stilnox, produzido pelo laboratório Sanofi-Aventis.
O clonazepam, vendido sob o nome de referência Rivotril, é até hoje o medicamento mais consumido entre os ansiolíticos. Por ter como efeito colateral a sonolência, é usado de forma incorreta para pegar no sono.
Mas as vendas de clonazepam e outros ansiolíticos têm caído ano após ano desde 2015, enquanto as de zolpidem aumentam.
“Eu vejo uma migração quase que direta do clonazepam [benzodiazepínico] para o zolpidem. Isso é positivo por um lado, mas não significa dizer que a gente precise utilizar tanto zolpidem assim”, diz Andrea.
Sabrina Cessarovice/Arte R7
Até mesmo o zolpidem não é indicado como solução para o tratamento da insônia. Acreditava-se, na comunidade médica, que ele não causaria dependência, mas hoje já se observa o contrário, relata a neurologista.
“Já temos muitas publicações mostrando o abuso dessa substância [zolpidem], que nos preocupa muito. Aumenta a chance de depressão, de ideias suicidas…”
O medicamento está associado, ainda que em casos mais raros, com parassonia, que são comportamentos anormais, como sonambulismo, ou pesadelos.
A própria bula do Stilnox alerta para os riscos.
“Caminhar enquanto dorme e outros comportamentos associados como: dormir enquanto dirige, prepara e come alimentos, fala ao telefone ou no ato sexual, acompanhado de amnésia (diminuição temporária ou perda total da memória) para estes eventos, foi observado em pacientes que utilizaram zolpidem e não estavam totalmente acordados. O uso concomitante de zolpidem e álcool ou outros depressores do SNC (sistema nervoso central) parece aumentar o risco desses comportamentos assim como o uso de zolpidem acima da dose máxima recomendada.”
“A gente já está observando nos consultórios pessoas com dependência de zolpidem, inclusive dependências graves, de pessoas fazendo doses altíssimas, de 20 comprimidos por dia”, relata o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, diretor dos ambulatórios do IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
O laboratório também informa na bula do zolpidem que seu “uso repetido por algumas semanas pode resultar em perda de eficácia”, e fala em desenvolvimento de dependência em caso de aumento da dose acima do recomendado, em pacientes com distúrbios psiquiátricos, história de alcoolismo ou abuso de drogas.
O psiquiatra do IPq observa ainda a facilidade dos médicos para prescrever o zolpidem.
“Enquanto os benzodiazepínicos precisam de receituário especial, que é aquele receituário azul que precisa ser retirado na Anvisa, o zolpidem não. Ou seja, qualquer médico pode receitar.”
A receita azul para o zolpidem só é exigida para a versão de 12,5 mg, que é tarja preta. Apresentações até 10 mg, de tarja vermelha, podem ser compradas com receita simples em duas vias, mesma regra exigida para antibióticos, por exemplo.
Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration, agência responsável pela regulação de medicamentos no país, notificou o público sobre os riscos do zolpidem.
A recomendação foi de que se reduzisse a dose tomada ao deitar devido a um novo estudo que identificou em alguns pacientes níveis sanguíneos da substância altos o suficiente na manhã após o uso, e prejudicarem atividades que requeiram estado de alerta, incluindo dirigir.
A médica da Associação Brasileira do Sono reforça que “o tratamento para insônia não é farmacológico”.
“O que chega para o especialista em medicina do sono são pessoas completamente dependentes, usando cinco, dez medicamentos por noite. Aí temos que tratar dois problemas: o que levou a insônia e a dependência.”
As terapias para insônia incluem acompanhamento psicológico e podem levar pelo menos dois meses para surtirem efeito. Na prática, o indivíduo vai precisar “reaprender a dormir”, explica a médica,
“Com a diminuição do abuso dessas substâncias, a pessoa vai ter tempo de sono e percepção de tempo de sono.”
Segundo Andrea, “o mais importante nos casos de insônia é não se automedicar”.
“Não pode ter aquilo de ‘eu vou tomar esse remédio aqui porque meu marido ou minha mãe tomam’, e muito menos o uso diferente daquilo que foi prescrito pelo médico.”
R7
Foram compradas 11,4 milhões de caixas de zolpidem no ano passado, um recorde.
Apenas de 2017 para 2018, a alta foi de 33,5%. Os dados são de um levantamento exclusivo feito pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a pedido do R7.
O zolpidem aparece como o terceiro medicamento mais vendido em 2018 no levantamento, que inclui oito drogas psicotrópicas.
O aumento do consumo do zolpidem ocorre em meio a uma queda de outros medicamentos tradicionalmente usados, incorretamente, por quem tem problemas para dormir: os benzodiazepínicos, ou ansiolíticos.
“Os benzodiazepínicos não são hipnóticos, não induzem ao sono. São relaxantes musculares, ansiolíticos, amnésicos e geram dependência”, explica a presidente da Associação Brasileira do Sono, a médica neurologista Andrea Bacelar.
Diretriz da AMB (Associação Médica Brasileira) alerta que “os benzodiazepínicos costumam perder o efeito sobre o sono ao longo do tempo, sendo ineficazes para o tratamento da insônia crônica, além de levar a alterações da arquitetura do sono”.
Chamados de Z-hipnóticos, medicamentos como o zolpidem surgiram nos anos de 1990 para tratar quadros de insônia, como uma alternativa aos benzodiazepínicos. A grande vantagem divulgada pelos fabricantes sempre foi o menor efeito rebote e o baixo risco de dependência.
O zolpidem foi criado na França em 1988 e ganhou notoriedade em meados da década de 1990, quando foi aprovado nos Estados Unidos com nome comercial de Ambien.
No Brasil, o medicamento tem a venda autorizada desde 2007, com nome de referência de Stilnox, produzido pelo laboratório Sanofi-Aventis.
O clonazepam, vendido sob o nome de referência Rivotril, é até hoje o medicamento mais consumido entre os ansiolíticos. Por ter como efeito colateral a sonolência, é usado de forma incorreta para pegar no sono.
Mas as vendas de clonazepam e outros ansiolíticos têm caído ano após ano desde 2015, enquanto as de zolpidem aumentam.
“Eu vejo uma migração quase que direta do clonazepam [benzodiazepínico] para o zolpidem. Isso é positivo por um lado, mas não significa dizer que a gente precise utilizar tanto zolpidem assim”, diz Andrea.
Sabrina Cessarovice/Arte R7
Até mesmo o zolpidem não é indicado como solução para o tratamento da insônia. Acreditava-se, na comunidade médica, que ele não causaria dependência, mas hoje já se observa o contrário, relata a neurologista.
“Já temos muitas publicações mostrando o abuso dessa substância [zolpidem], que nos preocupa muito. Aumenta a chance de depressão, de ideias suicidas…”
O medicamento está associado, ainda que em casos mais raros, com parassonia, que são comportamentos anormais, como sonambulismo, ou pesadelos.
A própria bula do Stilnox alerta para os riscos.
“Caminhar enquanto dorme e outros comportamentos associados como: dormir enquanto dirige, prepara e come alimentos, fala ao telefone ou no ato sexual, acompanhado de amnésia (diminuição temporária ou perda total da memória) para estes eventos, foi observado em pacientes que utilizaram zolpidem e não estavam totalmente acordados. O uso concomitante de zolpidem e álcool ou outros depressores do SNC (sistema nervoso central) parece aumentar o risco desses comportamentos assim como o uso de zolpidem acima da dose máxima recomendada.”
“A gente já está observando nos consultórios pessoas com dependência de zolpidem, inclusive dependências graves, de pessoas fazendo doses altíssimas, de 20 comprimidos por dia”, relata o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, diretor dos ambulatórios do IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
O laboratório também informa na bula do zolpidem que seu “uso repetido por algumas semanas pode resultar em perda de eficácia”, e fala em desenvolvimento de dependência em caso de aumento da dose acima do recomendado, em pacientes com distúrbios psiquiátricos, história de alcoolismo ou abuso de drogas.
O psiquiatra do IPq observa ainda a facilidade dos médicos para prescrever o zolpidem.
“Enquanto os benzodiazepínicos precisam de receituário especial, que é aquele receituário azul que precisa ser retirado na Anvisa, o zolpidem não. Ou seja, qualquer médico pode receitar.”
A receita azul para o zolpidem só é exigida para a versão de 12,5 mg, que é tarja preta. Apresentações até 10 mg, de tarja vermelha, podem ser compradas com receita simples em duas vias, mesma regra exigida para antibióticos, por exemplo.
Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration, agência responsável pela regulação de medicamentos no país, notificou o público sobre os riscos do zolpidem.
A recomendação foi de que se reduzisse a dose tomada ao deitar devido a um novo estudo que identificou em alguns pacientes níveis sanguíneos da substância altos o suficiente na manhã após o uso, e prejudicarem atividades que requeiram estado de alerta, incluindo dirigir.
A médica da Associação Brasileira do Sono reforça que “o tratamento para insônia não é farmacológico”.
“O que chega para o especialista em medicina do sono são pessoas completamente dependentes, usando cinco, dez medicamentos por noite. Aí temos que tratar dois problemas: o que levou a insônia e a dependência.”
As terapias para insônia incluem acompanhamento psicológico e podem levar pelo menos dois meses para surtirem efeito. Na prática, o indivíduo vai precisar “reaprender a dormir”, explica a médica,
“Com a diminuição do abuso dessas substâncias, a pessoa vai ter tempo de sono e percepção de tempo de sono.”
Segundo Andrea, “o mais importante nos casos de insônia é não se automedicar”.
“Não pode ter aquilo de ‘eu vou tomar esse remédio aqui porque meu marido ou minha mãe tomam’, e muito menos o uso diferente daquilo que foi prescrito pelo médico.”
R7