A complexidade que torna o veneno do escorpião tão perigoso ao homem é a mesma que possibilita que ele se torne útil para a cura de diversas doenças, segundo o biólogo Claudio Maurício Vieira, do Instituto Vital Brazil, órgão vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, referência na área de soros antipeçonhentos.
Apoiadas nesse princípio, pesquisas estão sendo desenvolvidas no Brasil para o tratamento de células tumorais, hipertensão e doenças parasitárias.
“As células têm membranas que atuam como proteção, filtrando ações de substâncias externas. Mas as toxinas presentes no veneno do escorpião são capazes de interferir no funcionamento das células”, explica o biólogo.
“Como os escorpiões têm um processo evolutivo muito longo, de 450 milhões de anos, seu veneno apresenta uma variabilidade enorme de toxinas, que sofreram seleção e se tornaram cada vez mais sofisticadas. É isso que faz com que algumas espécies sejam tão perigosas ao homem e por isso seu veneno é uma fonte rica para a área de pesquisa”, completa.
Uma das principais pesquisas que utiliza o veneno para cura é de um grupo de cientistas de Minas Gerais liderado por Evanguedes Kalapothakis, professor-titular do Departamento de Biologia Geral da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O estudo, publicado na revista científica Scientific Reports, descreve pela primeira vez uma toxina presente no veneno do escorpião-amarelo (Tityus serrulatus), considerado o mais venenoso da América Latina, capaz de penetrar no núcleo celular e conduzir medicamentos para o combate de células cancerígenas.
Chamada de CPP-Ts, a toxina está relacionada ao efeito cardíaco da picada de escorpião. Ela aumenta a contração em células de músculo cardíaco, uma das principais causas de morte das vítimas, segundo a pesquisa.
“Além disso, a CPP-Ts atravessa a membrana celular, o que destaca este peptídeo como uma ferramenta promissora e específica para a administração intranuclear às células cancerígenas”, afirma o estudo.
Depois de identificar essa toxina, os pesquisadores modificaram sua estrutura para que não provocasse mais a contração celular, porém mantivesse a capacidade de se comunicar com as células. A pesquisa mostra que a toxina modificada penetra exclusivamente em células tumorais, poupando células saudáveis.
O objetivo é ligar a CPP-Ts a medicamentos utilizados para o tratamento do câncer. Isso deve diminuir os efeitos colaterais dos quimioterápicos e tornar o tratamento mais eficaz.
Acidentes com escorpiões são um problema de saúde pública. Mais de 140 mil pessoas foram picadas no ano passado, o que representa 16 mil a mais que o ano anterior, segundo o Ministério da Saúde.
R7