Os vereadores de todas as 26 capitais estaduais recebem muito mais que a renda média do trabalhador nessas cidades. Em 21 delas, os vencimentos dos parlamentares para a próxima legislatura, com início em 2017, representam, ao menos, cinco vezes a renda média do trabalho, de acordo com levantamento feito pela reportagem do UOL com base em informações fornecidas pelas Câmaras municipais e em dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em meio à crise financeira do país, a aprovação de reajuste para vereadores provocou protestos em São Paulo.
Com o aumento aprovado nesta quarta-feira (28), na última sessão do ano, Maceió passa a ter a diferença mais gritante na comparação com os rendimentos dos trabalhadores. Os vereadores da capital de Alagoas vão receber R$ 18.986,00 por mês, mais de 11 vezes a renda média atual dos moradores da cidade, que era de R$ 1.710 no terceiro trimestre deste ano, de acordo com dado mais recente disponível na Pnad.
A segunda maior diferença foi constatada em Teresina. Lá os vereadores vão receber R$ 18.880,38 por mês, mais de dez vezes a renda média atual dos moradores da cidade, que era de R$ 1.818.
Em Salvador, os vereadores terão salário de R$ 18.732,56, mais de nove vezes o rendimento de um trabalhador da capital baiana, que era de R$ 2.022 ao fim de setembro.
Em São Luís, os legisladores eleitos ganharão R$ 15.031,76, também nove vezes o salário médio dos moradores: R$ 1.654. A capital do Maranhão apresenta o mais baixo rendimento médio do trabalho entre as 26 capitais.
No cenário menos discrepante, verificado em Vitória, os vereadores ganharão R$ 8.370,30 por mês, o dobro do rendimento médio dos moradores, que estava em R$ 4.109, de acordo com a Pnad Contínua. A capital do Espírito Santo tem os salários de vereadores mais baixos e o rendimento médio do trabalho mais alto entre as capitais estaduais.
Nas cidades com os salários nominais de vereadores mais altos, a diferença para a média também é significativa. Em Aracaju e no Rio de Janeiro, os vereadores ganham seis vezes o salário dos trabalhadores –quase sete no caso da capital sergipana.
Em São Paulo, o teto salarial dos vereadores previsto na Constituição só não foi atingido porque a Justiça suspendeu o reajuste –ainda cabe recurso. Depois de quatro anos sem aumentos, os vereadores decidiram aprovar um reajuste de 26,3%, abaixo da inflação acumulada no período. Em protesto, manifestantes ocuparam o gabinete da Presidência da Câmara.
Aumento de salários em 15 capitais
Nos quatros anos da atual legislatura, os vereadores reajustaram seus próprios salários em ao menos 16 capitais. O maior índice de aumento –e também o único acima da inflação– foi registrado em Boa Vista. Os vereadores da capital de Roraima começarão o próximo mandato ganhando R$ 15.100, um avanço de 43,81% frente ao salário de 2013 –acima dos 32,17% de inflação registrados pelo IPCA entre janeiro de 2013 e novembro de 2016.
Os vereadores do Recife decidiram fazer o contrário. Foram os únicos a diminuir seus salários. A redução será de 2,64%. Assim, o vencimento bruto para a próxima legislatura será de R$ 14.635.
“A conduta [dos vereadores do Recife] é perfeita e é a desejada numa situação de crise. Até porque o pagamento de subsídios a vereadores é questionável. Em muitos países do mundo, quem cumpre esse papel não é nem remunerado”, diz Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
“Faz muito sentido [a decisão dos vereadores do Recife]. Estamos com um PIB negativo, faltando dinheiro para saúde, educação. É uma escolha razoável. Até porque vereador não tem dedicação exclusiva, tem sessão algumas vezes por semana e consegue acumular com outras funções”, concorda Carlos Eduardo Moraes, especialista em Direito Eleitoral e Administrativo e professor da EPD (Escola Paulista de Direito).
Povo reage a aumento dos vereadores em SP: ‘piada’ e ‘ofensa’
Como funcionam as regras
“As Câmaras não são obrigadas a reajustar os valores. Ao contrário, a lei só estabelece um teto para esse reajuste, que deve ser de até 75% do que ganham os deputados estaduais”, explica Moraes. O teto válido para cidades com mais de 500 mil habitantes é hoje de R$ 18.991,68.
Em quatro capitais, os vereadores já ganham ou vão passar a ganhar salários próximos ao teto estabelecido pela Constituição: Aracaju, Rio de Janeiro, Cuiabáe Teresina. A cidade de São Paulo entrará nesta lista caso a decisão judicial seja derrubada.
O valor do subsídio pago aos vereadores é regulado pelo artigo 29 da Constituição Federal, segundo o qual o valor deve ser fixado pelas Câmaras municipais “em cada legislatura para a subsequente”. Ou seja, os vereadores são proibidos de aumentar os próprios salários. O ajuste só pode ser feito para aqueles que ocuparão as cadeiras da Câmara no próximo mandato.
A regra, no entanto, não leva em conta que pode haver políticos reeleitos de um mandato para outro. Em São Paulo, 21 dos 33 vereadores reeleitos votaram a favor do aumento a partir de 2017.
Ao mesmo tempo em que só permite aumentos de salários para a legislatura seguinte, a Constituição também dá a detentores de mandatos eletivos o direito a uma “revisão geral anual” de seus salários. Em Fortaleza, por exemplo, os vereadores aprovaram uma reposição salarial de 10,67% em março. Em Teresina, houve reajuste de 10,36% neste ano.
“Já houve casos em que os vereadores argumentaram que o valor proposto era correção e não aumento, mas a alteração no valor acabou sendo considerada inconstitucional”, afirma Marcelo Figueiredo.
Segundo Floriano Peixoto de Azevedo, professor de direito da USP (Universidade de São Paulo), o subsídio foi instituído pela Constituição de 1988 para que os salários tenham um teto e para que outros valores não sejam somados a ele, como gratificações, adicionais e abonos. “Foi introduzido na Constituição para evitar penduricalhos, mas aqui e acolá vemos tentativas de burla”, comenta.
Verba de gabinete
Apesar da existência do teto, os vereadores administram outros recursos. Em São Paulo, a verba de gabinete disponível –dinheiro para pagar assessores– é de R$ 143.563,67 para a contratação de até 17 pessoas. Já no Rio, os vereadores têm à disposição R$ 99.260,27 para distribuir entre até 20 ocupantes de cargos comissionados.
Em Belo Horizonte, a verba de gabinete chega a R$ 59.461,25, para até 18 servidores. Em Goiânia, estes recursos são de R$ 51.760,21, com direito a até 12 assessores.
Em Vitória, onde os vereadores ganham o menor salário entre as capitais, a verba de gabinete soma R$ 34.209,83. Até este ano, os parlamentares podiam usar esse dinheiro para contratar 20 assessores. A partir de 2017, os vereadores terão direito a 15 auxiliares –mas a verba será a mesma.
Já em Maceió, a verba de gabinete é de R$ 10.500, enquanto em Boa Vista o valor é de R$ 10 mil.
uol