Estratégia dribla possíveis morbidades associadas à cirurgia, tais como a impotência sexual e a incontinência urinária
Diante do diagnóstico de câncer de próstata, mesmo com a maior disseminação de informações hoje em dia, ainda há quem associe a descoberta da doença a uma sentença de morte. Os mais otimistas, porém, pensam assim: farei uma cirurgia para retirar o tumor e ficarei curado. Contudo, nem a primeira, nem a segunda forma de encarar a notícia têm, necessariamente, respaldo na realidade. É que as chances de cura de muitos tumores é grande, a depender do tipo e do estágio em que a doença foi descoberta. Além disso, nem todo câncer precisa ser tratado com cirurgia. Em certos casos, nem mesmo as sessões de radioterapia são recomendadas a princípio. Se atender a determinados critérios, a melhor indicação para o paciente pode ser, por exemplo, entrar em um protocolo de vigilância ativa.
Mas, o que seria essa vigilância? Nada além do monitoramento do câncer de próstata de baixo risco e pouco volume por meio de exames e consultas periódicas para evitar ou postergar o máximo de tempo possível a cirurgia ou a radioterapia. Assim, enquanto o paciente atende aos critérios pré-estabelecidos, a vigilância se mantém. Apenas se houver progressão do tumor, o paciente é retirado do protocolo e encaminhado para tratamentos convencionais.
De acordo com o urologista Augusto Modesto, diretor da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), o maior benefício do tratamento é a promoção da qualidade de vida através da prevenção de morbidades frequentemente associadas ao tratamento do câncer de próstata. “A vigilância nada mais é do que uma estratégia na qual se trata o paciente certo no momento mais adequado”, frisa o urologista. A estratégia, bastante difundida mundialmente em cânceres de próstata de baixo risco, é “gold standard” na Europa e nos Estados Unidos.
“Cerca de 30 a 40% dos pacientes que se submetem à cirurgia ou à radioterapia para tratamento de câncer de próstata tornam-se impotentes. Entre 5 e 15% passam a apresentar algum grau de incontinência urinária. Sobretudo para pacientes de meia idade, tornar-se impotente ou ter que usar fraldas descartáveis não só abalam seu bem estar, como também pode ser constrangedor. Se podemos evitar ou adiar esses problemas através da vigilância ativa, por que não fazer?”, questiona Augusto Modesto que, desde 2015, acompanha pacientes que optam por essa estratégia.
Os critérios para entrar no protocolo de vigilância ativa são classificados com base nos exames de toque retal, PSA, e, principalmente, na biópsia da próstata, de preferência, guiada por fusão de imagens da ressonância multiparamétrica da Próstata. “O mais difícil é escolher os critérios de seleção, pois existem vários serviços em todo o mundo e ainda inexiste um padrão bem definido”, pontua o especialista.
No Brasil, a demanda pela vigilância ativa é crescente, mas por uma questão cultural e/ou comercial, ainda há muitos que preferem partir logo para uma cirurgia. O comerciante Márcio Vinhas, 58 anos, pensou e agiu diferente. Mesmo depois de receber de um urologista a indicação de cirurgia imediata, ele procurou uma segunda opinião, que o apresentou à possibilidade de um tratamento não-cirúrgico a princípio.
“Quando o Dr. Augusto me falou sobre os benefícios da vigilância ativa e que eu atendia os critérios para entrar no protocolo, não tive dúvidas. Minha esposa ficou preocupada, mas depois de ser esclarecida pelo médico, apoiou minha decisão. Fui acompanhado durante quase três anos, durante os quais vivi muito bem. Depois desse tempo, ao realizar o acompanhamento de rotina por meio de uma ressonância multiparamétrica e biópsia, o médico viu que o tumor tinha progredido um pouco (passou do grau 6 para o 7). Foi quando ele teve que me tirar do protocolo de vigilância ativa para me encaminhar para uma cirurgia. Eu preferia não ter saído mas, felizmente, a cirurgia robótica que fiz em São Paulo também foi um sucesso”, contou Márcio Vinhas.
Após a cirurgia, o paciente foi acompanhado de três em três meses no primeiro ano, a cada seis meses a partir do segundo ano e anualmente a partir do quinto ano posterior ao procedimento. Atualmente, Márcio Vinhas se encontra com o PSA zerado, continente e potente. “Me sinto muito bem e se eu voltasse no tempo, teria optado pela vigilância ativa com certeza”, declarou.
Números – Estudos internacionais mostram que atualmente a estratégia da vigilância ativa é usada em 40% dos casos da doença no mundo. Cerca de 30% dos pacientes que entram no protocolo saem dele em até cinco anos e aproximadamente 50% não precisam ser tratados ao longo de 15 anos. “Garantir o tempo de sobrevida com qualidade antes da cirurgia tem sido uma opção elogiada pela maioria dos meus pacientes que optaram pela vigilância”, comentou Augusto Modesto. Vale destacar que nos homens que precisam sair da vigilância para iniciar o tratamento porque houve uma mudança no padrão de tumor, a chance de cura continua a mesma.
Para ser classificado como apto a entrar em vigilância ativa, o paciente tem que ter notas baixas na chamada escala de Gleason, baixo valor de PSA e a doença tem que estar limitada à glândula prostática de pequeno volume. “Outro ponto importante, é o perfil psicológico do paciente: ele sabe que tem câncer, mas fica tranquilo em se manter na vigilância”, detalha Augusto Modesto. O monitoramento é feito com toque retal e dosagem de PSA a cada 3 a 6 meses, biópsia anual e ressonância magnética. “A vigilância ativa é uma estratégia sofisticada e amparada por exames que, cada vez mais, aumentam a precisão do diagnóstico dos tumores biologicamente indolentes”, ressalta Augusto Modesto. o urologista.
Os estudos iniciais sobre a vigilância ativa começaram há cerca de 15 anos, com o Professor Laurence Klotz, do Canadá, sendo mais popularizada nos últimos anos. “O conhecimento sobre o método afasta medos e inseguranças e melhora a qualidade de vida do paciente”, frisou o especialista . Pacientes com câncer de próstata que não se enquadram na vigilância ativa e que iniciam outros tratamentos também contam com avanços tanto do ponto de vista tecnológico – nas cirurgias videolaparoscópicas e robóticas. “Em termos de tratamento, o câncer de próstata é um dos que mais evoluiu positivamente nos últimos anos”, concluiu Augusto Modesto.