O vírus da chikungunya chegou ao Brasil pelo menos um ano antes de ser detectado pelos sistemas de vigilância em saúde pública, aponta pesquisa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e da Escola de Saúde Pública Mailman, da Universidade de Columbia. O estudo foi publicado no periódico Scientific Reports, do grupo Nature.
Doença viral transmitida pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, a febre chikungunya foi diagnosticada pela primeira vez em pacientes do país em 2014, mesmo ano em que a circulação do vírus foi identificada.
O novo estudo, feito a partir de testes genéticos desenvolvidos na Universidade de Columbia que conseguiram recuperar a “árvore genealógica” do vírus, mostra que o vírus da chikungunya entrou no Brasil em fevereiro de 2013.
Toda vez que o vírus se multiplica, acumula mutações. Com o genoma sequenciado, os pesquisadores compararam as variações do vírus isolado de amostras de sangue de pacientes entre 2016 e 2017 com outras sequências em bancos de dados.
“Com isso a gente conseguiu estabelecer não só o grau de parentesco como quando surgiu o parentesco”, explica Thiago Moreno, um dos coordenadores do estudo e pesquisador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz.
Segundo ele, a intenção da pesquisa é auxiliar nas tomadas de decisões em saúde pública e apontar novos caminhos que possam controlar a entrada de possíveis novos vírus no país.
“Se temos a evidência de que um vírus circulou por mais ou menos um ano sem ser detectado, significa que a vigilância precisa reforçar as suas estratégia, se preocupar muito mais com os casos negativos para vírus preexistentes e começar a fazer triagens para outros possíveis agentes.”
Ele lembra que em 2013 a preocupação da vigilância era a dengue. “Se o paciente tinha os sintomas clássicos, o médico testava para dengue. Se desse positivo, beleza. Mas, se desse negativo, não se investigava o que significava aquele resultado”, afirma.
Na sua opinião, com as atuais ferramentas na área da genômica e da biologia molecular, seria possível analisar os casos negativos e tentar descobrir o começo da circulação de alguns agentes antes que eles se tornassem problemas de saúde pública.
“Nessa primeira parte do século 21, temos um número sem precedentes de doenças emergentes surgindo. No Brasil, em particular, as arboviroses como dengue, zika e chikungunya e a reemergência da febre amarela têm causado um problema enorme.”
E como enfrentar isso? Por meio de um conjunto de ações que precisaria envolver, entre outras coisas, uma maior aproximação da vigilância com a academia e os serviços de de genômica e vice e versa.
“Mas a gente está falando de doenças que seriam minimizadas com um reforço no saneamento básico. Precisamos de tecnologia e novos serviços de diagnósticos, mas há uma questão básica que está deficitária e que precisa ser reforçada”, diz o pesquisador.
O reconhecimento mais precoce de um novo vírus como o chikungunya poderia ter trazido benefícios tanto para gestão pública, como uma melhor alocação de recursos de saúde, como em tratamentos mais eficazes aos pacientes.
“Pense em regiões onde você tenha dengue, zika e chikungunya circulando. Você terá que alocar mais recursos em reumatologia para áreas onde tenha mais chikungunya, melhores recursos para área da mulher, onde tem zika, e assim por diante”, diz.
No caso da febre chikungunya, na fase aguda da doença, os sintomas são tratados com medicação para a febre (paracetamol) e as dores articulares (anti-inflamatórios).
No entanto, de 5% a 10% dos doentes podem evoluir para uma forma crônica de artrite, para a qual existem hoje medicamentos mais potentes e mais caros (biológicos).
“É muito importante saber precocemente se a infecção foi provocada pelo vírus chikungunya. Precisamos ter a sorologia positiva para iniciar, com segurança, uma medicação mais agressiva”, explica o reumatologista Morton Scheinberg, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Na região de Feira de Santana (BA), que viveu uma epidemia de chikungunya em 2014, há pacientes que ainda se queixam de dores nos pés, nos tornozelos, nas mãos e nos punhos. Os sintomas dificultam as atividades rotineiras, como dirigir um carro e digitar em um celular.
“Tem até uma questão trabalhista. O paciente reporta que não tem condições, mas, como não aparenta nada, pode ter dificuldade para obter licença do trabalho. Se você tem a confirmação que naquela região tem chikungunya, você legitima a queixa”, explica Moreno, dando mais um argumento para a importância do diagnóstico correto.
O estudo também apontou que a entrada do vírus no Rio de Janeiro ocorreu em um só evento, vindo diretamente do estado de Sergipe. “Isso significa que não há obstáculos para sua circulação. O que se espera é que sejam necessárias múltiplas entradas para que uma nova doença se estabeleça”, afirma Moreno.
Em megalópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro, endêmico para dengue, há circulação autóctone do vírus chikungunya desde março de 2016, quando também cocirculou com dengue e o vírus zika, situação que ficou conhecida como tríplice epidemia.
Neste ano, os casos de chikungunya no país somam 4.149 registros, queda de 51% em relação ao ano passado. Alguns estados, no entanto, apresentam cenário oposto, caso do Rio de Janeiro, com 2.198 casos até 2 de fevereiro deste ano, contra 1.182 no mesmo período do ano passado.
Já os casos de dengue cresceram 149% após dois anos de queda. Até o dia 2 de fevereiro havia 54.777 casos prováveis da doença, mais do que o dobro do mesmo período de 2018.
Bahia Notícias