Salvador, 8 de outubro de 2025
Editor: Chico Araújo

Carlos André Leandro: Quem se importa com o papa

Após alguns dias do grande evento midiático que tomou conta do Brasil e em boa parte do mundo, podemos nos perguntar o que realmente significa a eleição do líder de uma religião, ainda que esta alegue reunir 1,5 bilhão de pessoas no planeta. Num passado recente, este mesmo evento não teria interessado muito mais gente além dos católicos, contudo, pelo visto, algo parece ter mudado. De fato, os papas não saíam de Roma até 1978, depois da eleição do papa polonês, João Paulo II. Durante o seu papado, as inúmeras viagens e o seu poder de comunicação o lançaram na mídia, produzindo alvoroço por onde passava. Desde então, não se pode negar, o papa agora é pop.

Esse legado construiu a marca do papado moderno, caracterizado pelo tratamento de celebridade dado aos papas pelos meios de comunicação. Deste momento em diante, não importa apenas à audiência católica o que diz o papa, seus gestos e palavras têm repercussão imediata nos meios de comunicação. Para o bem ou para o mal, passa-se a exercer vigilância sobre a vida e os pronunciamentos dos papas, de tal modo que a expectativa de absoluta coerência moral torna-o uma voz a ser considerada dentro do debate social. Essa relevância social do papado alcançou seu ponto mais alto em Francisco, o papa reformador.

A reforma de Francisco, porém, não deve ser encarada como algo novo. O espírito que o movia encontra-se já nos escritos do Concílio Vaticano II, um evento que durou três anos e foi concluído em 1965. A abertura ao diálogo com a cultura do tempo presente era um desejo dos padres conciliares daquela época, quando escreveram no documento Gaudium et Spes (62), “Vivam, pois, os fiéis em estreita união com os demais homens do seu tempo e procurem compreender perfeitamente o seu modo de pensar e sentir, qual se exprime pela cultura.” Neste sentido se entende por que o Papa Francisco insistiu que a riqueza da tradição da Igreja não deveria se confundir com ostentação, deu exemplo ao escolher a simplicidade e a proximidade com os temas que interessam às pessoas e à cultura do nosso tempo.

A tão reclamada continuidade do legado de Francisco decorre, portanto, de um compromisso com a própria história recente da Igreja Católica, interpretada corretamente com a eleição do Cardeal Prevost, agora Papa Leão XIV. Essa expectativa demonstra ser bem fundada observando alguns dados da sua trajetória e gestos iniciais. O primeiro deles é a escolha do novo nome, importante indício do interesse que move o novo chefe da Igreja Católica. Ele mesmo confessou em entrevista que deseja com este nome recordar o Papa Leão XIII, iniciador de uma série de pronunciamentos papais que formaram a Doutrina Social da Igreja. A preocupação social deste Papa do fim do século XIX o levou a tecer críticas contundentes à exploração do trabalho, oriunda do primeiro processo de industrialização que o mundo conheceu. Hoje, é a nova industrialização da era da IA que ameaça os postos de trabalho e dignidade humana, alegou o novo papa, Leão XIV.

De fato, os papas não saíam de Roma até 1978, depois da eleição do papa polonês, João Paulo II. Durante o seu papado, as inúmeras viagens e o seu poder de comunicação o lançaram na mídia, produzindo alvoroço por onde passava. Desde então, não se pode negar, o papa agora é pop.

Por outro lado, é evidente que não se deve esperar uma repetição de Francisco, cada um traz a sua marca e inspiração ao assumir um cargo. Mas é também razoável pensar que os mais de 30 anos vividos pelo então padre e bispo Prevost no Peru tenham marcado a sua personalidade, assim como ocorreu com o papa argentino. Neste sentido, além do interesse pelas questões sociais, espera-se haja um esforço para aproximar-se dos grupos mais conservadores da igreja, uma busca da simplicidade sem abrir mão da tradição, atenção à missão na Igreja junto aos mais humildes e firmeza na construção de pontes de diálogo dentro e fora da Igreja, aliando tudo isso à condenação da guerra e das hostilidades entre as nações. E o que não esperar de Leão XIV? Além do óbvio (é impensável uma mudança doutrinal), a leitura do primeiro discurso na sacada da Basílica é um indício, entre outras coisas, de que não haverá comunicação improvisada; já a menção ao Papa Francisco indica que não haverá retrocessos nas reformas iniciadas em relação ao governo da Igreja (a Cúria Romana).

Enfim, a voz do papa Leão XIV que ecoou na praça são Pedro para o mundo aponta para uma mudança de postura da igreja e dos meios de comunicação que interessa a todos, não apenas aos católicos. A repercussão da sua eleição reforça o soft power da Igreja Católica, o único poder real de que a sua diplomacia dispõe. Por isso, em face da carência no mundo de lideranças capazes de pautar as questões que afligem a humanidade, o caráter social escolhido por Leão XIV para o seu papado é uma boa notícia para o nosso tempo.

Carlos André Leandro

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* Coordenador e professor da Escola de Educação e Humanidades da UCSal

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