Salvador, 8 de dezembro de 2025
Editor: Chico Araújo

Justiça reconhece excesso de exposição de criança nas redes e renova debate sobre limites digitais impostos pelos pais

Uma decisão inédita da Justiça do Acre reacendeu o debate sobre os limites da exposição infantil nas redes sociais. Uma juíza proibiu os pais de divulgarem imagens do próprio filho de forma excessiva na internet, reconhecendo oficialmente a prática do oversharenting — termo que define a superexposição de crianças por responsáveis nas plataformas digitais. Para Alessandra Tanure, especialista em Direito Digital no âmbito de proteção de direitos de personalidade de crianças e adolescentes, a medida representa um divisor de águas.

“Essa decisão é um marco. É a primeira vez que o Judiciário brasileiro reconhece o sharenting como algo potencialmente danoso e intervém para proteger a criança. Isso abre um precedente valioso que poderá ser utilizado em ações futuras. Era uma decisão que estávamos esperando há muito tempo”, afirma Alessandra.

A especialista ressalta que, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ofereça uma base legal para a proteção integral dos menores, ainda há lacunas quando o assunto é a vida digital das crianças. “O direito à imagem, à privacidade e ao desenvolvimento saudável deve prevalecer sobre a vontade dos pais de compartilhar todos os momentos dos filhos. A internet não é um álbum de família privado, ela tem consequências reais e duradouras”, alerta.

O que diz a lei e o que ainda falta

A decisão do Acre ocorre em um momento em que o Congresso Nacional discute o Projeto de Lei 785/2025, que propõe regulamentar a atuação de crianças e adolescentes como influenciadores digitais. A proposta exige autorização judicial prévia para esse tipo de atividade e estabelece critérios como limite de horas de trabalho, proteção da saúde emocional e depósito de parte dos rendimentos em poupança acessível apenas na maioridade.

“O PL 785/25 segue a lógica da legislação que já existe para o trabalho artístico infantil. É um avanço necessário, pois reconhece que a internet, apesar de parecer espontânea, muitas vezes envolve produção profissional, lucros e exploração da imagem infantil”, explica Alessandra. “Se aprovado, o projeto também exigirá das plataformas maior responsabilidade ao divulgar conteúdos com crianças, algo que hoje ainda depende muito da autorregulação.”

Impactos emocionais e sociais

Estudos recentes têm evidenciado os efeitos nocivos do sharenting sobre a saúde mental e emocional das crianças. A superexposição pode gerar constrangimento, prejudicar a construção da identidade e abalar a confiança dentro da própria família. Casos de bullying, ansiedade e dificuldade de socialização são relatados por jovens cujas imagens ou situações foram compartilhadas sem consentimento.

“A identidade online construída pelos pais nem sempre corresponde ao que a criança realmente é ou deseja ser. Em muitos casos, ela se torna refém de uma persona que nunca escolheu”, alerta Alessandra. “E quando essa exposição envolve condições médicas ou episódios íntimos, os danos podem ser ainda mais graves.”

Uma pesquisa realizada pela Unicesumar em 2023 aponta que 31% das crianças brasileiras entre 6 e 10 anos já tiveram imagens postadas sem autorização ou controle por parte dos pais. Entre os adolescentes, o índice de desconforto com esse tipo de exposição chega a 62%. O levantamento revela ainda que a maioria dos pais (57%) desconhece que o uso da imagem do filho sem consentimento pode ser passível de responsabilização civil.

“Esses dados reforçam o quanto ainda precisamos evoluir na conscientização e na responsabilidade digital dos adultos. Ser pai ou mãe não dá carta branca para publicar tudo. A infância precisa ser protegida também no ambiente virtual”, conclui Alessandra.

Sobre Alessandra Tanure

Advogada, palestrante e professora, Alessandra Tanure é mestre em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), com especialização em Direito Digital voltada à proteção dos direitos de personalidade de crianças e adolescentes. É também pós-graduada em Direito Constitucional, membro da OAB/BA e atua em comissões voltadas à defesa dos direitos da criança e do adolescente. Integrante de grupos de pesquisa em Direito Privado e Democracia Constitucional, dedica sua trajetória acadêmica e profissional à promoção de ambientes digitais mais seguros para o público infantojuvenil.

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