Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), estima-se que há em torno de 4 milhões de pessoas trans no Brasil. O dossiê vai de encontro ao último mapeamento da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em que cerca de 1,9% da população é autodeclarada trans.
Em nota, a ANTRA divulgou tentativas de grupos opositores em descredibilizar ou silenciar o movimento social e suas produções. E não se restringe ao setor de comunicação. De acordo com o último levantamento do Censo Trans, 67% das pessoas trans e travestis são expulsas de locais públicos, além de sofrerem violência verbal (85%); mau-tratos em serviços de saúde (74%); violência física (78%); violência sexual (72%); agressão pela polícia (68%) e exclusão familiar (71%).
No mercado de trabalho, até ter a chance de conseguir uma entrevista de emprego, cerca de 79% das pessoas trans são discriminadas apenas na etapa da procura. Uma vez dentro das empresas, pelo menos 71% afirmaram sofrer discriminação ou serem logo demitidas.
Os desafios da população trans no Brasil são vivenciados pela diretora geral e coordenadora do Coletivo Trans Mix, Brendie Hêth. Integrando a gestão do Fórum Trans e Travesti da Bahia (Fórum TT), Brendie afirma que ser uma pessoa trans, preta e não binária é lidar com exclusões diárias, desde o acesso à educação até a entrada e permanência no mercado de trabalho.
“A transfobia nos empurra para a informalidade e marginalidade – da construção educacional que recebemos do Estado até a nossa permanência nos setores do trabalho. Nós resistimos através das redes de apoio, formação contínua e construção de projetos coletivos, gerando oportunidades para mais e mais pessoas trans na sociedade”, explica.
A escolaridade, citada por Brendie, traz um novo agravante: mais de 34% das pessoas trans não chegaram a concluir o ensino fundamental. No escopo total, 15% não finalizaram o ensino médio e 32% não souberam responder – no entanto, há um consenso geral de que mais de 63% foram expulsas da instituição educacional que estudavam.
De acordo com a Diretora de Comunicação e Fundadora do Coletivo Naobin, Mestra em Cultura e Sociedade, Senhora Mar, a educação nas escolas e universidades mantêm diretrizes pedagógicas excludentes. “As políticas educacionais, ainda hoje, são excludentes e marginalizadoras, alicerçadas no pensamento branco e cisgênero. Em minha vivência, ser trans é negar imposições da forma de agir, ser, pensar. A cisgeneridade tentou matar nossa ancestralidade poligênera, porém, sigo firme desbravando a educação como forma de resistência”, elucida.
No último relatório ‘Trans Murder Monitoring’, o Brasil esteve à frente de 37 países da Europa, África, Norte América, Ásia, America do Sul e Caribe, com relação à violência e assassinato da população trans. O país liderou com 106 casos de assassinato no ano de 2024 – enquanto Europa, África, Norte América e Ásia, somadas juntas, apresentaram 95 casos.
Diante desse cenário, a ativista LGBTRANS+, preta, empreendedora e produtora cultural, Brenda Souza, explica que o desafio constante das pessoas trans é romper com o ciclo de exclusão e preconceito na sociedade – no caso dela, com ações de empreendedorismo solidário.
“Como travesti, preta e periférica, com 47 anos, eu enxergo que a sociedade, a educação, o mercado de trabalho e diversos outros setores ainda negam dignidade às nossas existências. Entretanto, encontrei no empreendedorismo uma forma de autonomia e resistência. Entre as ações necessárias, fundar o ‘Coletivo Trans Mix’ é minha resposta concreta ao ódio e preconceito que recebemos, criando uma rede de apoio para mim e para outras pessoas trans poderem movimentar a economia local e reafirmar seu lugar na sociedade. Estamos levando nosso trabalho, nosso corre, para quem não teve ainda a oportunidade de nos conhecer de verdade”, conclui.