Na Bahia, a fé tem ritmo, cheiro e cor. E na Semana Santa, esse sincretismo se revela com intensidade. Das missas solenes nas igrejas centenárias do Pelourinho às pequenas procissões nas cidades do interior, o que se vê é uma Bahia que silencia o batuque para se recolher — e que, ao mesmo tempo, transforma cada ritual em expressão viva da cultura e da fé.
Por: Pedro Valentin
Celebrada entre o Domingo de Ramos e o Domingo de Páscoa, a Semana Santa é um dos momentos mais importantes do calendário cristão, relembrando os últimos dias de Jesus Cristo na Terra.
A data muda a cada ano, pois é calculada com base na lua cheia do outono, mas o espírito que move a celebração é sempre o mesmo: memória, luto e renascimento.
Na Bahia, porém, a vivência dessa memória carrega marcas singulares. É um tempo em que a religiosidade católica e as tradições afro-brasileiras se encontram — às vezes em silêncio, outras em diálogo.
“A Semana Santa aqui não é só católica. Ela é do povo. É quando se junta a tradição da igreja com o respeito dos terreiros, com o recolhimento nas casas, com o jejum feito de maneira íntima e sincera”, afirma o padre Marcos Tavares, pároco da Igreja do Rosário dos Pretos, em Salvador.
imagem: Internet.
Padre Marcos conta que, apesar do caráter solene da liturgia católica nesse período, há um respeito profundo das religiões de matriz africana.
“Muitos terreiros suspendem suas atividades litúrgicas durante esses dias, como sinal de respeito à tradição cristã. É algo que vem da convivência histórica entre as fés na Bahia”, diz ele.
Em cidades do interior, como Cachoeira, Lençóis e Santo Amaro, o cenário da Semana Santa é quase cinematográfico: ruas de pedra, velas acesas nas janelas, fiéis de branco acompanhando procissões em silêncio. Um silêncio que, por vezes, fala mais do que palavras.
Para dona Lúcia Ferreira, 63 anos, moradora de Jacobina e devota desde criança, essa é uma época que mexe com a alma. “Aqui a gente aprende desde cedo que a Semana Santa não é tempo de festa. É tempo de reflexão. Sexta-feira ninguém faz barulho, ninguém come carne. Minha mãe cobria os espelhos da casa, e a gente se vestia com roupas mais sóbrias. E isso ficou em mim até hoje.”
Ela afirma que mesmo os filhos, criados num tempo mais moderno, respeitam a tradição. “Eles podem não ir à igreja todo domingo, mas na Semana Santa, eles sabem: é hora de parar, de se recolher, de agradecer.”
Mais do que um rito religioso, a Semana Santa na Bahia é um mosaico de histórias, gestos e heranças. É o momento em que o sagrado toma conta das ladeiras, dos terreiros, das casas humildes e dos grandes templos. E, apesar das mudanças no mundo, segue resistindo — viva, respeitada e sentida com intensidade.